A mãe britânica que luta por pedido de desculpas para filho assassino e sua vítima
- Author, Wyre Davies e Will Fyfe
- Role, BBC Wales Investigates
Quando o filho de Sharon Lees, David, deixou a unidade psiquiátrica, ela disse que alertou a equipe de que ele não estava bem para voltar para casa.
Dez dias depois, ele matou a facadas um homem que estava passeando com o cachorro por causa das “vozes na sua cabeça”.
Sharon está exigindo agora um pedido público de desculpas do conselho de saúde de Hywel Dda, no País de Gales, para o filho e para a família do homem que ele matou, Lewis Stone. Ela argumenta que isso “poderia [e] deveria ter sido evitado”.
O Hywel Dda disse, por sua vez, que informações confidenciais impedem a organização de divulgar o relatório sobre o caso de David.
Sharon criou o filho, David Fleet, na cidade costeira de Borth, em Ceredigion, no País de Gales.
“David adorava ficar na praia”, ela conta. “Crescer em Borth foi muito bom para ele. Ele era muito quieto, ele se perderia facilmente na multidão.”
Enquanto o filho crescia, “pequenas obsessões” a fizeram suspeitar que ele era autista, diz.
Ele foi diagnosticado aos 15 anos, mas quando completou 17, outras coisas começaram a preocupar Sharon.
“Ele parecia achar que tínhamos colocado algo na cabeça dele para apagar sua memória. Era como se ele estivesse vendo coisas que não existiam”, diz Sharon.
David começou a fumar maconha para “meio que administrar esses sintomas”, lembra Sharon, acrescentando que ele tinha dificuldade para dormir.
Um dia, ela entrou no quarto dele e encontrou “muito sangue por toda parte… ele havia se automutilado gravemente”.
Ela levou o filho às pressas para o pronto-socorro — e ele foi tratado com medicamentos antipsicóticos.
Quando ele estava bem o suficiente, saiu de casa para concluir um curso universitário, mas acabou tendo uma recaída e teve que voltar para casa.
“Ficou claro que ele estava psicótico. Ele começou a fazer perguntas bizarras sobre alguém nos observando”, afirma Sharon.
David também começou a levar facas para a cama com ele e a tentar acender pequenas fogueiras no quarto.
“Por fim, ele me disse que achava que poderia ter que matar alguém porque ‘as pessoas estão nos observando, há câmeras escondidas em todos os lugares e nenhum lugar é seguro’ —, foi quando eu disse que ele tinha que ir comigo para o hospital”, conta Sharon .
“Tivemos que arrancar a faca dele para colocá-lo no carro e levá-lo ao hospital.”
Em outubro de 2018, David foi internado sob a Lei de Saúde Mental, mas quando foi autorizado a sair para visitar sua casa, Sharon disse que alertou a equipe do hospital que ele ainda estava comprando maconha e procurando facas.
Após quatro meses internado, a equipe decidiu que ele deveria ser tratado em casa.
“Eu chorei porque simplesmente não sabia como lidar com isso… ele tem mais de 1,80m de altura, não consigo impedi-lo de sair”, diz Sharon.
Na manhã de 28 de fevereiro de 2019, 10 dias após ser mandado para casa, David saiu de casa com uma faca.
“Estou tentando ligar para ele, tentando enviar uma mensagem para ele… Olhei pela janela dos fundos e pude ver a ambulância aérea. Me lembro de ter uma sensação muito ruim. Como se eu soubesse”, relata.
David nunca havia visto sua vítima até aquele dia.
Lewis Stone, de Staffordshire, na Inglaterra, estava passeando com o cachorro, Jock, às margens do Rio Leri, enquanto passava uma temporada em sua casa de veraneio, onde ele e a esposa planejavam se aposentar.
David disse depois aos psiquiatras que se ele não tivesse esfaqueado Stone, as vozes na sua cabeça “iriam matá-lo”.
A família de Stone — que morreu no hospital três meses após o ataque — afirmou que suas vidas mudaram da maneira “mais horrível e dolorosa”.
Segundo eles, o “cavalheiro à moda antiga”, que era “adorado” pela mulher, filhos e netos, teria ficado “indefeso”.
O programa BBC Wales Investigates teve acesso a uma cópia do relatório interno do conselho de saúde sobre o tratamento de David antes do ataque.
O documento revela que, três semanas antes do incidente, um médico havia avisado que ele não estava pronto para deixar o hospital por causa da “piora do seu estado mental” e dos riscos que representava com facas.
Poucos dias depois, ele foi mandado para casa sem que ninguém atualizasse sua avaliação de risco — e a equipe deveria entrar em contato com ele um dia antes do ataque, mas não entrou devido ao volume de trabalho.
Ele também não recebeu uma dose de sua medicação antipsicótica.
David se declarou culpado do homicídio culposo de Stone devido à responsabilidade penal diminuída — e foi internado indefinidamente em uma unidade psiquiátrica de segurança em 16 de setembro de 2019.
A família de Stone disse que “não há desculpa ou perdão” para David e “nada pode ser dito ou feito para ajudá-los a entender ou seguir em frente depois do que aconteceu”.
Eles concordaram que houve “enormes falhas no setor de saúde mental” para ter “tamanho monstro solto e andando pelas ruas, capaz de causar tanto dano” — e querem que David Fleet permaneça preso.
Quão comuns são homicídios relacionados à saúde mental no país?
Estudos da Universidade de Manchester, no Reino Unido, indicam que entre 2010 e 2020 houve 5.876 criminosos que cometeram homicídio no Reino Unido, dos quais 610 (11%) estavam sob os cuidados de serviços de saúde mental.
Embora tenha havido uma queda na taxa geral de homicídios na Inglaterra e no País de Gales desde 2008, a porcentagem de homicídios cometidos por pessoas com esquizofrenia, ao contrário, aumentou.
Pesquisadores observam que o uso indevido de drogas e álcool é conhecido por elevar o risco.
O governo do País de Gales tem o poder de encomendar análises independentes de homicídios relacionados à saúde mental e compartilhar as lições da forma mais ampla possível, mas o programa BBC Wales Investigates descobriu que, desde 2016, parou de solicitá-las.
Isso significa que as lições deste e de três outros assassinatos envolvendo pessoas com transtornos mentais no País de Gales naquela época não foram compartilhadas.
Lord Alex Carlile, ex-parlamentar e advogado com décadas de experiência em casos de homicídio, critica a “falha” em compartilhar informações no caso de David.
“É absolutamente terrível. É essencial que, nos casos em que haja um grande problema de proteção, as informações sejam compartilhadas por todas as organizações relevantes dos setores público e privado”, diz ele.
Ele também acredita que o governo do País de Gales deveria ter solicitado análises independentes sobre outros homicídios relacionados à saúde mental nesta época, classificando o ocorrido como um “escândalo de sete anos”.
A decisão do governo do País de Gales significa que, quatro anos depois do assassinato, a família de Stone não conseguiu ver informações sobre as oportunidades perdidas de monitorar David.
O conselho de saúde de Hywel Dda informou que compartilhou o relatório interno sobre o tratamento de David com alguns de seus próprios funcionários e com o governo do País de Gales, mas não pôde publicá-lo porque continha informações médicas confidenciais.
Em uma carta pessoal, Sharon foi informada de que eles posteriormente haviam feito mudanças em seus serviços, mas ela acredita que, se os detalhes e as lições tivessem sido compartilhados com outros conselhos de saúde, poderia ter evitado outros assassinatos.
O governo do País de Gales disse que estava “satisfeito” por não ter precisado solicitar análises independentes de homicídios relacionados à saúde mental desde 2016 porque os conselhos de saúde haviam sido “minuciosos” ao investigar seus próprios casos.
Mas admitiu que o sistema de revisão mais amplo precisava mudar para garantir uma melhor “comunicação e coordenação”, por isso estava introduzindo uma “Revisão Unificada de Salvaguarda Única”.
“Esta nova abordagem elimina a necessidade de as famílias participarem de várias revisões, muitas vezes onerosas e traumáticas, e vai identificar mais rápido o aprendizado, gerar uma compreensão maior do que aconteceu durante um incidente e por quê, além de fornecer um claro plano de ação para melhorar os serviços”, acrescentou um porta-voz.
Sharon acredita que o filho foi deixado na mão pelos serviços de saúde mental, o que resultou em duas famílias “devastadas”.
“Os sentimentos de culpa e remorso que David está sentindo são inconcebíveis”, completou.
Ela agora quer que o conselho de saúde peça desculpas ao filho e à família de Stone.
“É realmente importante não apenas para nós, mas para a família de Stone receber um pedido público de desculpas por causa da doença dele e da falta de atendimento que ele recebeu… parece justo que ele também receba um pedido de desculpas porque o conselho de saúde falhou com ele, que por sua vez falhou com a família da vítima dele.”