Três falácias que podem nos enganar – e como evitar cair na armadilha
- Author, Redação
- Role, Da BBC News Mundo
Todos nós cometemos erros.
Se você contar quantas pessoas estão em um lugar e responder 10, mas, na verdade, forem 11, você simplesmente se equivocou. Mas, se você argumentar que existem quadrados redondos, a situação será totalmente diferente.
Na lógica, as falácias são raciocínios errados que têm aparência de verdade.
São afirmações sem fundamento frequentemente oferecidas com tanta convicção que parecem ter sido comprovadas. E podem adquirir vida própria quando se tornam populares e passam a ser parte de uma crença.
As falácias não são apenas incorretas. Se forem usadas conscientemente, são desonestas.
A palavra “falácia”, na verdade, vem do latim fallacia (por engano).
Tecnicamente, significa uma falha de argumentação que se torna enganosa.
Mas, felizmente, quando identificamos as falácias, o argumento se torna inválido.
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) fez o primeiro estudo conhecido das falácias na sua obra De Sophisticis Elenchis (Refutações Sofísticas). Ele acreditava que é preciso conhecê-las para nos prepararmos contra os erros mais sedutores e descreveu 13 tipos de falácias.
Atualmente, os filósofos têm listas com centenas de falácias, cada uma com seu nome específico. Escolhemos três delas para deixar você alerta.
Estes três tipos de falácias têm relação com os políticos, que usam falácias com frequência para justificar o injustificável ou para se livrar de apuros.
A falácia do ‘se-por-uísque’
O nome desta falácia vem de um discurso considerado um dos mais perspicazes da política americana. Ele entrou para a história como o “Discurso do Uísque” e seu autor foi Noah S. Sweat (1922-1996), um jovem legislador de Mississippi, nos Estados Unidos, que posteriormente seria juiz e professor universitário.
Em 1952, os legisladores debatiam se deveriam revogar a Lei Seca, que ainda estava em vigor no Mississippi. Sweat falava desta questão, mas começou dizendo: “Não tenho a intenção de discutir este tema controverso neste momento específico”.
Ele afirmou ter entrado na discussão porque não queria que pensassem que ele estava fugindo da controvérsia.
“Pelo contrário, irei tomar uma posição sobre qualquer tema em qualquer momento, não importa o quanto seja controverso”, disse ele.
Mas o curioso é que ele fez exatamente o contrário e de uma forma tão magistral que gerou o nome desta falácia.
O discurso, em resumo, foi este:
“Fui questionado sobre o que penso a respeito do uísque (…)”.
“Se, por ‘uísque’, você se refere à bebida do diabo, o flagelo do veneno, o monstro sangrento que contamina a inocência, corrompe a razão, destrói o lar, cria miséria e pobreza, sim, literalmente tira o pão da boca das crianças pequenas; se você se refere à bebida maligna que derruba o homem e a mulher cristãos do pináculo da vida reta e cheia de graça para o abismo sem fundo da degradação (…), certamente sou contra.”
“Mas, se, por ‘uísque’ você se refere ao azeite do diálogo, o vinho filosófico (…); a bebida que permite a um homem ampliar seu prazer e felicidade e esquecer, ainda que por um breve momento, as grandes tragédias, as dores e as tristezas da vida (…), cuja venda reverte aos nossos cofres incontáveis milhões de dólares, que são utilizados para cuidar carinhosamente das nossas crianças pequenas deficientes (…), então, certamente, sou a favor.”
Sweat terminou declarando: “Esta é a minha posição. Não me afastarei dela. Não me comprometerei”.
Para sermos justos, ele esclareceu alguns pontos, mas não exatamente a sua posição.
Esta é uma tática comum na política: responder a uma pergunta com algo que depende das opiniões do questionador, utilizando palavras com conotações fortes.
É uma falácia que parece apoiar os dois lados de um problema, utilizada para ocultar a falta de posicionamento ou para fugir de perguntas difíceis.
A falácia de McNamara
Outro político, nova falácia. Neste caso, o político é Robert McNamara (1916-2009), que foi secretário de Defesa dos Estados Unidos entre 1961 e 1968.
Durante a Segunda Guerra Mundial, McNamara trabalhou no Departamento de Controles Estatísticos do Exército dos Estados Unidos. Ele aplicou uma metodologia estatística rigorosa ao planejamento e à execução de missões de bombardeio aéreo, aumentando espetacularmente sua eficiência.
Depois da guerra, McNamara foi contratado pela Ford Motor Corporation, que estava enfrentando prejuízos. Suas habilidades de análise estatística racional trouxeram melhorias consideráveis para a companhia.
Quando chegou ao Pentágono, McNamara aplicou a mesma análise sistêmica rigorosa que havia funcionado tão bem até ali.
Era a época da Guerra do Vietnã. À medida que o conflito se intensificava, McNamara acreditava que, se as baixas vietnamitas fossem maiores que as do exército americano, os Estados Unidos ganhariam a guerra. Por isso, os americanos se dedicaram basicamente a contar cadáveres.
“Aquilo que você pode, você deve contar; a perda de vidas é uma dessas coisas”, escreveu McNamara no seu livro In Retrospect: The Tragedy and Lessons of Vietnam (“Em retrospectiva: a tragédia e as lições do Vietnã”, em tradução livre).
Mas, desta vez, ele cometeu um erro trágico. O próprio McNamara admitiria posteriormente que a ênfase excessiva em uma única medida bruta simplificou excessivamente as complexidades do conflito.
Como se costuma dizer, “nem tudo o que pode ser contado conta; nem tudo o que conta pode ser contado”. E o que não podia ser contado, na Guerra do Vietnã, era a ousadia dos “movimentos populares com forte motivação”.
O nome de McNamara ficou eternamente vinculado ao fracasso dos Estados Unidos no Vietnã. E, em 1972, o sociólogo Daniel Yankelovich (1924-2017) cunhou a expressão “a falácia de McNamara”.
“O primeiro passo é medir qualquer coisa que possa ser medida facilmente. Isto vai bem até certo ponto”, segundo ele.
“O segundo passo é descartar o que não pode ser medido facilmente ou atribuir um valor quantitativo arbitrário. Isto é artificial e enganoso.”
“O terceiro passo é supor que o que não se pode medir facilmente, na verdade, não é importante. Isto é cegueira”, prossegue Yankelovich.
“O quarto passo é dizer que o que não pode ser medido facilmente, na verdade, não existe. Isto é suicídio.”
A falácia de McNamara é uma das armadilhas mais perigosas que existem. Ela foi usada para orientar decisões políticas em campos vitais, como a saúde e a educação.
Mas a existência do risco não significa que as medições quantitativas devam ser abandonadas. Na verdade, a quantificação é uma ferramenta analítica valiosa.
O que é preciso ter em mente, como destacou o estatístico W. Edwards Deming (1900-1993), é que “nada se torna mais importante só porque pode ser medido. Torna-se mais mensurável e isso é tudo.”
O fundamental é lembrar que medir não é entender – que, na verdade, é algo multidimensional. E o qualitativo é tão importante quanto o quantitativo.
A falácia do político
A última das nossas falácias não é tão conhecida, mas provavelmente você já a observou saindo da boca de um político ou do seu chefe.
Sua origem é humorística. Ela foi identificada na série de TV Yes, Prime Minister (“Sim, primeiro-ministro”, em tradução livre), produzida pela BBC na década de 1980. Era uma comédia que acompanhava as batalhas entre um primeiro-ministro e seu secretário de gabinete.
Naturalmente, era uma história fictícia. Mas ela retratava tão bem o que ocorre nos corredores do poder que diversos políticos britânicos afirmaram que parecia mais um documentário.
A falácia do político foi demonstrada em um episódio de 1988. Desde então, ela já repercutiu no Parlamento britânico, na imprensa internacional e em todo tipo de análises e discussões.
Seu modelo é: “Devemos fazer algo, isto é algo e, portanto, devemos fazer isto”.
Conhecida também como o silogismo do político, esta é uma falácia lógica. É como se disséssemos que alguns americanos são ricos e que alguns pobres são americanos – e concluíssemos que alguns pobres são ricos.
Mesmo sendo absurda, esta falácia é usada para dizer que existe uma solução para um problema, não importa o quanto ela seja ineficaz ou até prejudicial.
Em tempos de crises econômicas, por exemplo, não são raros os anúncios de cortes de impostos que não reduzem o sofrimento dos mais afetados, nem abordam os fatores causadores da emergência, nem determinam como evitar que novas crises aconteçam no futuro.
Mas esses anúncios causam boa impressão. E, quando o assunto é política, a boa impressão, muitas vezes, equivale ao sucesso.