O que é a grande transferência de riqueza, fenômeno que 'fabrica' jovens bilionários pelo mundo
Super-ricos e seus herdeiros buscam especialistas para aconselhá-los até sobre casamentos e contratação de parentes enquanto cresce debate sobre imposto global sobre fortunas. Com 31 anos, Mark Mateschitz, herdeiro da marca Red Bull, ganhou o posto de jovem bilionário com maior fortuna segundo a lista da Forbes deste ano
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Na tradicional lista dos mais ricos do planeta divulgada no início do mês pela revista Forbes, uma tendência chama a atenção: há muitos rostos jovens e desconhecidos figurando entre as maiores fortunas.
Muitos deles sequer começaram a trabalhar ou escolheram suas carreiras, mas tiveram uma grande ajuda para estar ali: pela primeira vez desde 2009, todos os bilionários com menos de 30 anos listados no ranking da Forbes são herdeiros.
Dos 25 bilionários com 33 anos de idade ou menos que figuram no ranking, apenas sete construíram seus próprios impérios.
Para a Forbes, a presença massiva de jovens herdeiros é sinal de que está em curso um fenômeno há tempo preconizado no universo das finanças globais: a “grande transferência de riqueza”, período em que grande parte de todo o patrimônio dos ricos do mundo mudará de mãos para as próximas gerações.
A estimativa é de que, somente até o fim de 2029, mais de US$ 8,8 trilhões sejam transferidos dos bilionários para seus jovens sucessores.
“E não estamos falando só de dinheiro, mas também das empresas”, explica o advogado Yuri Freitas, responsável pelo time de planejamento patrimonial para o Brasil do banco suíço UBS.
Ele comanda um grupo de especialistas que fica à disposição dos clientes donos de fortunas com uma função: ajudá-los a planejar o que fazer com seu patrimônio depois que eles morrerem.
Reforma tributária apressou os planos de transferência de heranças entre os donos de fortunas no Brasil, diz Freitas, do UBS
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Apesar da formação financeira e jurídica de Freitas, o trabalho dele e de sua equipe envolve mais habilidades do que cuidar dos números e conhecer leis.
Vai desde conversar com a família sobre o uso dos recursos por todos os parentes e agregados (quem pode usar o jatinho? quem pode emprestar o iate?) a sugerir regras para a contratação de familiares como funcionários e calcular o risco que novos casamentos podem representar para o patrimônio dos herdeiros.
A função inclui também mapear os objetivos de cada cliente para o seu patrimônio após a morte: como dividir empresas, obras de arte, embarcações, aeronaves e imóveis, entre outros.
A equipe de planejamento do patrimônio também ajuda a criar protocolos para questões delicadas que misturam laços familiares e dinheiro. O planejamento abrange aspectos íntimos da vida familiar, como o regime de bens se o cliente é casado, se tem filhos, se os filhos são casados, se moram no Brasil ou fora, por exemplo.
Para quem não é herdeiro de nenhuma grande fortuna, uma boa referência a esse universo é a série Succession, da HBO, que aborda o drama de uma família de bilionários.
“Por mais caricata que a série seja, as famílias têm conflitos que se desenvolvem numa dinâmica de comportamento parecida”, conta Freitas.
A BBC News Brasil reuniu especialistas, artigos e exemplos práticos para explicar o que é a grande transferência de riqueza e qual o debate em torno dos impactos negativos que esse nível de concentração de renda pode acarretar.
Preparação com comitês e psicólogos
Uma das etapas de um trabalho como o de Freitas é o de construir com a família dona da fortuna um protocolo familiar, de preferência antes do doador transmitir a herança aos filhos.
“É quando o patriarca está bem e ativo que é importante tomar essas decisões para enfrentar conflitos lá na frente”, diz o executivo da UBS.
Pesquisa realizada pela consultoria americana The Williams Group estima que 70% das transferências de riqueza nos Estados Unidos falham, e que 60% dessas falhas resultam em falta de confiança e comunicação entre os membros da família rica.
“A família precisa ter regras de como lidar com o patrimônio muito bem estabelecidas. E não estou falando só dos instrumentos jurídicos, como testamento, o contrato social da empresa, o acordo de acionistas”, diz Freitas.
“Estou falando do aspecto moral, por exemplo: como eu vou contratar um primo ou um sobrinho? Que requisitos ele ou ela tem que ter, que escolaridade? Quem pode usar o jatinho da família?”, segue o especialista.
Sem familiaridade com o mundo dos bilionários? Assistir à série Succession pode ajudar
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A criação do protocolo familiar para o planejamento da herança pode envolver a criação de comitês familiares para apresentar os investimentos e até de psicólogos e outros profissionais para mediar as conversas.
“É muito comum que a discussão sobre a qualificação do executivo a ser contratado descambe para: ‘Ah, você contrata o seu filho e agora quer demitir o meu’. A gente ajuda o cliente a construir esse protocolo”, diz o executivo.
Em 15 anos de experiência na área, a percepção de Freitas coincide com o diagnóstico da revista Forbes: a grande transferência de fortuna global já está em curso de maneira acelerada, e os bilionários do Brasil e do mundo estão começando cada vez mais cedo a repassar seus patrimônios para a próxima geração.
Exemplo brasileiro
De tempos em tempos, cada geração de adultos herda das gerações anteriores o patrimônio acumulado por determinada família.
Como no exemplo brasileiro abordado pela Forbes: a Weg, multinacional que exporta para 135 países e é uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo, foi cofundada por Werner Ricardo Voigt, bilionário que morreu em 2016.
Hoje, são bilionárias também as netas de Werner, Lívia Voigt, 19 anos, e sua irmã Dora Voigt, 26, que não participam ativamente do dia a dia da empresa.
Mas a riqueza fundada por Werner não enriqueceu apenas as duas netas: além de Lívia e Dora, outros 28 empresários têm a WEG como origem de sua fortuna. De acordo com a Forbes, os descendentes dos fundadores da WEG têm, juntos, um patrimônio de R$ 85,53 bilhões.
Movimentos como o da família Voigt estão acontecendo e devem se acelerar, de acordo com as projeções dos institutos que acompanham as grandes fortunas.
Os números divergem, mas apontam para o mesmo cenário: nas próximas duas décadas, trilhões de dólares devem passar das mãos de abastados baby boomers (nascidos em 1964 ou antes, nas duas décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial) para as afortunadas próximas gerações de herdeiros millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e geração Z (entre 1997 e 2013).
A empresa de pesquisa de mercado Cerulli Associates estima que US$ 84 trilhões mudarão de mãos até 2045 – sendo US$ 72,6 trilhões transferidos para herdeiros e US$ 11,9 trilhões para filantropia.
Relatório do banco UBS sobre ambições bilionárias em 2023 aponta que, pela primeira vez na história do estudo, novos bilionários adquiriram mais riqueza por meio de heranças do que pelo empreendedorismo. Em um ano, um total de US$ 150 bilhões foram obtidos por 53 herdeiros, enquanto 84 bilionários acumularam US$ 140,7 bilhões por meio do empreendedorismo.
O UBS também estima que, nos próximos 20 a 30 anos, mais de mil bilionários de hoje transferirão mais de US$ 5,2 trilhões a seus herdeiros.
“Como calculamos esta estimativa? Apenas somando a riqueza dos 1023 bilionários que têm 70 anos ou mais hoje”, diz o relatório.
Nos Estados Unidos, a estimativa é que a geração dos baby boomers retenha atualmente US$ 95,9 trilhões dos US$ 147,1 trilhões da riqueza das famílias dos EUA, segundo o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos.
E por que essa geração que está envelhecendo tem tanto dinheiro para dar aos seus sortudos sucessores?
“A riqueza excepcional resultante do boom da atividade empresarial desde os anos 90 estabeleceu uma base para gerações futuras de famílias bilionárias”, segue o texto.
Choque de gerações
“Nunca antes tanto dinheiro – em imóveis, terra, ações e espécie – mudará tão repentinamente de uma geração para outra, e nunca antes a próxima geração teve sentimentos tão diferentes sobre o futuro do planeta e o capitalismo em comparação a seus precursores”, explica em artigo publicado no ano passado o banqueiro e filantropo sul-africano Ken Costa, autor do livro The 100 Trillion Dollar Wealth Transfer e uma das vozes mais contundentes a respeito do fenômeno.
A principal tese de Costa, ele mesmo um bilionário boomer, é que os jovens, excluídos da riqueza desfrutada pelas gerações mais velhas durante tanto tempo, são desgostosos em relação ao capitalismo atual.
Mais do que isso, culpam com razão os boomers por destruírem o planeta numa corrida precipitada por riquezas a curto prazo. Os boomers, culpados, pioraram as coisas por serem arrogantes e resistentes à mudança, na visão de Costa.
“Os Zennials [nome que ele criou para se referir aos jovens millenials, nascidos entre 1981 e 1996 mais os Gen Z, entre 1997 e 2013] herdarão recursos de capital, poder e influência, e a tecnologia será a ferramenta que utilizarão para implementar a sua filosofia”, prevê.
“Não há como escapar deste evento sísmico e, de fato, a transferência já começou e está acelerando rapidamente. E este evento não acontecerá isoladamente. Também criará um efeito cascata na economia, na tecnologia e na cultura. O que sairá dessas mudanças depende da nova geração”.
“O que espero é que eles alcancem um futuro financeiro estável e próspero, e acredito que é essencial que nós, boomers, ajudemos a concretizar isso”, afirma Costa.
Preparação de passagem de fortunas envolve criação de comitês familiares e até psicólogos
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Preocupação com impostos
Há diversos motivos que levam os patriarcas e donos das grandes fortunas a apressarem cada vez mais a transferência de patrimônio para as novas gerações, e a principal delas é o medo de pagar mais impostos.
Nos Estados Unidos, a doação de heranças em vida é isenta de impostos até um limite de US$ 12 milhões; sobre o que extrapolar esse limite, as alíquotas chegam a 40% sobre o valor doado.
“É quase metade do patrimônio que acaba sendo pago em impostos. Então, o estudo de estruturas e estratégias para suavizar essa transmissão sempre foi uma preocupação que habitou o imaginário desses executivos”, diz Freitas.
No Brasil, a pressão dos impostos sobre as grandes fortunas e heranças sempre foi mais branda que a da maioria dos países e exigiu menos planejamento dos bilionários – com muitas opções para que os muito ricos acumulassem rendimentos ao longo da vida com pouca tributação.
No ano passado, o governo agiu para acabar com a vantagem concedida em algumas aplicações onde era possível adiar o pagamento de impostos que são devidos quando se aplica o dinheiro.
“Até o final de 2023, era muito comum que o cliente tivesse um fundo multimercado exclusivo dele e esse fundo só pagava imposto no momento de uma amortização, de um resgate. Então você tinha ali uma estrutura que ficava 10, 15 anos, só rentabilizando sem pagar imposto”, diz o executivo do UBS.
A reforma tributária de 2023 mudou um pouco o cenário na tributação de heranças, principalmente ao prever potencial aumento da alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), conhecido como o “imposto das heranças”.
Atualmente, o ITCMD é estadual e possui alíquotas que variam entre 4% e 8%. A cobrança é diferente em cada Estado brasileiro. Em São Paulo, a alíquota é de 4%. Em Minas Gerais, de 5%. Já o Rio de Janeiro prevê seis alíquotas progressivas de 4% a 8% à medida que a herança aumenta.
A reforma estabelece que o imposto será obrigatoriamente progressivo, – ou seja, quanto maior o valor da herança ou doação, maior será a alíquota aplicada.
“O Estado de São Paulo pratica uma alíquota de 4% historicamente, e a expectativa é que em algum momento a Assembleia Legislativa se mova para aumentar essa alíquota. Então, muita gente vê muitas transmissões de patrimônio acontecendo ou se acelerando por conta disso”, explica Freitas.
Em seu segmento de planejamento patrimonial do UBS, nunca houve tanta demanda de clientes brasileiros por informações e atendimento a respeito das novas regras de herança, doações e temas relacionados como no ano passado, por causa da reforma tributária, diz Freitas.
“Foi o ano mais desafiador da minha carreira. Quando você tem uma reforma que muda toda a regra, e realmente mudou, o baby boomer precisa entender as novas regras, que são complexas, e rever as decisões. Tudo isso vai pressionando ele [a acelerar os planos]”, diz.
“O assunto do ano passado foi reforma tributária, e o deste ano são os ajustes que se tem que fazer para por conta da reforma tributária”, aponta Freitas.
Bom para quem?
O ativista Peter Tatchell segura um cartaz pedindo imposto sobre a riqueza dos bilionários para financiar o sistema de saúde britânico em 2023 em Londres
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Essa nova leva de jovens herdeiros bilionários prevista para as próximas décadas ocorre em um momento da história em que a concentração de renda nas mãos de poucas famílias piora a vida da maioria das pessoas do mundo.
O relatório Desigualdade S/A, divulgado no início do ano pela Oxfam, aponta que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuiu nesse mesmo período.
Enquanto sete em cada dez das maiores empresas do mundo têm bilionários como CEOs ou principais acionistas, apenas 0,4% das mais de 1.600 maiores e mais influentes empresas do mundo se comprometeram publicamente com o pagamento de salários dignos a seus trabalhadores.
O impacto de tanta desigualdade de renda é gritante, destaca a publicação.
“A década de 2020, que começou com a covid-19 e depois assistiu à escalada de conflitos, à aceleração da crise climática e ao aumento do custo de vida, parece estar se transformando em uma década de divisão”, diz o documento.
“A pobreza nos países de renda mais baixa é ainda maior do que era em 2019. Em todo o mundo, os preços estão ultrapassando os salários, e centenas de milhões de pessoas têm dificuldades”, alerta o texto.
Daniel Duque, pesquisador da área de economia aplicada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), explica que tal esforço dos super-ricos em repassar seus bens para as próximas gerações pode ser uma reação às recentes iniciativas de diversos países de debater e implementar modelos mais progressivos de tributação – após décadas de alíquotas que foram generosas com os bilionários.
Movimento que cresceu fomentado principalmente pela visibilidade dada ao trabalho do economista francês Thomas Piketty, que defende reparos ao sistema capitalista capazes de interromper esse processo de concentração de riqueza.
“Está havendo um movimento em diversos países de haver uma tributação maior sobre grandes fortunas, o que gera uma pressão sobre os super-ricos de passar logo para a próxima geração”, diz Duque.
Outro debate que pode pressionar esse público é o que ocorre no G20 em torno da criação de um tributo global sobre grandes fortunas, proposta apresentada ao grupo em fevereiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante encontro em São Paulo.
“Um tributo como esse tornaria muito mais difícil para os super-ricos gerarem essa herança sem tributação. Porque até então, quando se cobrava um imposto, eles migravam o dinheiro para outro lugar”, aponta o pesquisador.
Tanta concentração de renda traz riscos econômicos e políticos para o planeta, diz o Duque, bem como a assimetria de oportunidades, bastante desfavorável para quem tem menos dinheiro.
“Um dos principais riscos é como lidar com o poder tão concentrado nas mãos de tão poucos. Antigamente, a capacidade de os mais ricos influenciarem a política era mais limitada, com menos capacidade de ação nos meandros do poder. Com uma concentração alta, isso começa a mudar e se vê indivíduos que conseguem mudar rumos”, diz ele.
O que pensam os jovens herdeiros?
Como em todo debate geracional, profissionais de todas as áreas têm se debruçado para tentar prever o comportamento desses jovens herdeiros e as mudanças que eles causarão no mundo dos negócios.
Principalmente os bancos, que correm o risco de perder os clientes cujo patrimônio tão vultoso eles ajudaram a construir e compartilharam por décadas.
O que se sabe é que os bilionários da nova geração são mais conectados socialmente, mais digitais e, pelo menos no discurso, se importam mais do que os pais sobre o impacto positivo que os seus investimentos terão no planeta, tanto no clima quanto socialmente.
Relatório da consultoria EY estima que investidores millenials têm o dobro da disposição em investir em empresas ou fundos que busquem transformações sociais e ambientais.
Além disso, 17% dos millenials dizem querer investir em companhias que adotam práticas de ESG de alta qualidade, comparados a 9% entre investidores não-millenials.
No UBS, a equipe de wealth management realiza há anos uma série de eventos e programas voltada a atender aos investidores next gen, como são chamados os herdeiros de fortunas.
No Brasil, o banco criou em 2019 um encontro de troca de experiências exclusivamente voltado para herdeiros. “Ali a gente trouxe alguns herdeiros falando para outros herdeiros sobre temas como inovação no negócio familiar, governança familiar, family office”, afirma Freitas.
Nota-se diferenças comportamentais: se os baby boomers apreciam o sigilo e a privacidade de uma relação formal e de confiança com o consultor do banco, os jovens gostam de mais interação com seus pares.
“Ele vê o banco como um lugar que pode proporcionar para ele contato com outros empreendedores e pode abrir portas com pessoas com outros clientes”, diz Freitas.
No programa para sucessores seletos de patrimônio mais elevado, há até uma comunidade global criada pelo banco especialmente para a convivência entre herdeiros do mundo todo, onde eles compartilham dicas, eventos e relações para além das mediadas pelo banco.
Dá para esperar que os bilionários gerarão mudanças positivas para o mundo – que sofre, entre outras questões, com a enorme concentração de renda na mão de poucas famílias?
O relatório do UBS pontua que, embora existam vários casos bem divulgados de empresários bilionários que prometem doar grande parte de suas fortunas à filantropia, é menos conhecido o fato de que entre herdeiros essa intenção seja mais reticente.
“Embora mais do que dois terços (68%) dos bilionários da primeira geração tenham declarado que seguir seus objetivos filantrópicos e gerar impacto no mundo tenha sido o objetivo principal de seu legado, menos de um terço (32%) das gerações herdeiras expressou a mesma intenção”, diz o estudo.
Na experiência do UBS, as gerações sucessoras são muitas vezes relutantes em doar dinheiro que não ganharam e, em alguns casos, elas podem simplesmente continuar investindo nas eventuais fundações existentes na família.
“No entanto, há uma tendência para investir ou gerenciar negócios de maneira que abordem questões ambientais e sociais, tanto para fins comerciais como fins altruístas”, aponta o relatório.
A pesquisa do banco ouviu alguns desses herdeiros.
“Por mais que meu pai trabalhasse em petróleo, gás e mineração, estou tentando mudar todo o negócio para assuntos relacionados à tecnologia, áreas que têm menos impacto no meio ambiente”, explicou um bilionário de segunda geração ao estudo.
“Mas eu não vou vender todos esses negócios em um dia. É uma jornada que comecei há vários anos, quando assumi negócios da família.”
Relações familiares e poder
Outro fator que apressa o planejamento da sucessão entre bilionários, para Freitas, é a pressão crescente dos mercados nas últimas décadas por mais transparência, regulação e compliance (conjunto de práticas para garantir o cumprimento de regras legais e éticas definidas pelos Estados ou pelas próprias empresas).
Segundo o executivo do UBS, no setor bancário, a regulação de compliance nos últimos 30 anos passou a cobrar muito mais transparência, com contatos frequentes por e-mail. “O baby boomer que já construiu a sua fortuna gosta do papel, ele gosta da presença física”, diz ele.
No caso dos baby boomers brasileiros, o apego ao controle de todas as decisões financeiras e operacionais relacionadas ao patrimônio é ainda mais marcante, diz Freitas.
“Mesmo quando faz sentido do ponto de vista tributário um projeto de passagem de bastão, por exemplo, o projeto não acontece se você não tiver o patriarca engajado”, afirma, citando um exemplo fictício.
“Às vezes, ele até diz que está engajado, mas quando chega na hora de falar ‘você deixa de ser executivo da empresa e vai passar para o conselho de administração’, ele topa, mas está ali no chão de fábrica todo dia, vendo tudo de perto”.
Como imaginar que, tão habituados ao controle de todo seu patrimônio, tais bilionários baby boomers estejam cedendo tão rapidamente o poder às próximas gerações, como sugere a grande quantidade de jovens listados pela Forbes?
Há muitos recursos para manter o poder mesmo após a doação dos ativos, explica Freitas. Um deles é a reserva de usufruto, que prevê que o dono fundador mantenha o poder político sobre aquele patrimônio.
“No exemplo de uma empresa: eu doei as ações, já recolhi o imposto sobre herança, mas eu reservei o usufruto político e econômico: o que significa que eu ainda mando e ainda posso receber o rendimento”, explica.
Existe também a cláusula de incomunicabilidade da herança, que é prevista no Código Civil para possibilitar que bens herdados ou doados não sejam transmitidos ao cônjuge – “para que o ativo não se contamine com patrimônio do agregado, da nora, do genro”, diz Freitas.
O que significa que, embora abastadíssimos, com um futuro promissor e cheio de regalias, estar na lista da Forbes não significa que a nova geração já esteja integralmente no comando.
“Muitos dessa nova geração são muito ricos, mas quando você olha de perto, têm pouco poder de decisão”, conclui o executivo da UBS.
Fonte: G1