Conflito Israel-Hamas: recém-nascidos começam a morrer de fome em Gaza
- Author, David Gritten
- Role, BBC News
“Qual vai ser o destino das crianças que passam fome? Será que vão encontrar alguém para salvá-las, ou elas vão morrer? Meu filho Ali já morreu.”
O pai de Ali, um bebê palestino que morreu recentemente de desnutrição e desidratação no único hospital pediátrico do norte de Gaza, fez um apelo por ajuda para as outras crianças que estão sendo atendidas ali.
“Ali nasceu em tempos de guerra, e não havia comida nem nada para sua mãe comer – um problema que causou insuficiência renal nele”, contou o pai, que não quis ser identificado, em entrevista gravada para o programa de rádio Gaza Lifeline, do serviço de notícias árabe da BBC.
“A vida de Ali piorava dia após dia. Tentamos tratá-lo em hospitais, mas não havia ajuda… Ali morreu na frente do mundo inteiro, que ficou vendo ele falecer.”
O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, comunicou a morte de 18 crianças em decorrência de desnutrição e desidratação em todo o território desde a semana passada, sendo pelo menos 15 delas em Kamal Adwan.
E também manifestou preocupação em relação a seis crianças que, segundo a organização, estavam sendo atendidas com um quadro de desnutrição no hospital.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertou que é provável que o número de crianças morrendo de fome aumente rapidamente, a menos que a guerra entre Israel e o Hamas acabe, e os obstáculos à ajuda humanitária sejam imediatamente solucionados.
Estima-se que 300 mil pessoas estejam atualmente isoladas no norte de Gaza, onde o Programa Mundial de Alimentos (PMA) firma que a fome atingiu níveis catastróficos, já que apenas uma pequena quantidade de ajuda humanitária foi capaz de chegar.
Exames de desnutrição realizados por agências da ONU em janeiro revelaram que uma em cada seis crianças com menos de dois anos estava gravemente desnutrida. Dessas crianças, quase 3% sofriam de perda de peso grave e necessitavam de tratamento urgente.
A falta de alimentos nutritivos, de água potável e de serviços médicos — assim como a exaustão e o trauma causados pelo conflito — também estão prejudicando a capacidade das mães de amamentar seus bebês.
Sem leite materno ou fórmula — cujos fornecimentos são considerados quase inexistentes no norte —, os bebês podem rapidamente ficar gravemente desidratados e desnutridos, o que aumenta o risco de doenças potencialmente fatais, como insuficiência renal.
A médica Samia Abdel Jalil, que trabalha na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Kamal Adwan, contou em entrevista à Gaza Lifeline que uma menina morreu no hospital com poucos dias de diferença da irmã mais velha.
“Tivemos dificuldade de conseguir leite para todo o departamento, e não só para aquela menina”, lembrou a médica.
“Ela morreu sem receber sua pequena dose de leite.”
Salah Samara, um bebê de quatro meses, é uma das crianças gravemente doentes que a médica Abdel Jalil e seus colegas estão tentando tratar com os recursos limitados que têm à disposição.
A mãe disse que ele nasceu prematuro e ficou gravemente desidratado, e que agora estavam sofrendo de doença renal crônica e retenção urinária, que é extremamente dolorosa e causa inchaço abdominal.
“Meu coração sofre muito por causa do que está acontecendo com ele. É muito difícil você ver seu filho chorando todos os dias por não conseguir urinar… e os médicos não serem capazes de ajudá-lo.”
“Ele tem direito a receber tratamento e tem direito a todo o resto, em virtude de ser uma criança no início da vida”, ela acrescentou.
“[Sua] condição está piorando a cada dia. Ele precisa de tratamento imediato e urgente no exterior. Espero que alguém que ouça minha voz ajude a tratar meu filho.”
Mas Ahmed al-Kahlot, diretor do hospital Kamal Adwan, alertou que as mortes de crianças notificadas até agora pelo Ministério da Saúde subestimam a verdadeira dimensão do problema.
“O número de casos de mortes por desnutrição começou a ser contabilizado há duas semanas, então o número real é muito maior do que isso”, ele disse.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, escreveu no X (antigo Twitter) na segunda-feira (4/3) que a organização conseguiu entregar combustível e alguns suprimentos médicos essenciais para o Kamal Adwan e para outro hospital que sua equipe visitou no fim de semana, o Al-Awda, em Jabalia.
Mas alertou que as remessas representavam uma fração das necessidades urgentes para salvar vidas.
“Fazemos um apelo a Israel para garantir que a ajuda humanitária possa ser entregue de forma segura e regular. Civis, especialmente crianças, e profissionais de saúde precisam de mais ajuda imediatamente. Mas o principal medicamento de que todos estes pacientes precisam é a paz”, acrescentou.
Os governos do Ocidente também estão aumentando a pressão para que Israel facilite a distribuição de ajuda humanitária. Na terça-feira (5/3), o presidente dos EUA, Joe Biden, declarou: “Precisamos levar mais ajuda a Gaza. Não há desculpa.”
No entanto, no mesmo dia, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) disse que sua primeira tentativa em duas semanas de levar ajuda alimentar ao norte de Gaza foi impedida por soldados israelenses.
A agência da ONU afirmou que o comboio de 14 caminhões foi “parado” em um posto de controle — e posteriormente saqueado por uma multidão “desesperada”.
A BBC entrou em contato com as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) para comentar o incidente.
O órgão do Ministério da Defesa israelense encarregado de coordenar o acesso à ajuda humanitária em Gaza afirmou: “Vamos continuar a expandir os nossos esforços humanitários para a população civil em Gaza enquanto cumprimos os nossos objetivos de libertar nossos reféns do Hamas e de libertar Gaza do Hamas.”