Nordeste lidera aumento de violência contra pessoas em situação de rua

O Nordeste é a região do Brasil que mais sofreu aumento de violência contra pessoas em situação de rua. Em oito anos, o número cresceu quase 50%. Além disso, o cenário deve ser ainda mais grave, já que a maioria das secretarias estaduais de Segurança Pública não possui registros oficiais. 

A Agência Tatu analisou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que contabiliza casos onde as vítimas buscam por serviços de saúde e a informação da situação de rua é levantada.

O levantamento de notificações do Ministério da Saúde está presente no relatório População em Situação de Rua do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. No painel interativo é possível visualizar dados de evolução de casos de violência entre 2015 e 2022. 

A série histórica mostra que o Nordeste registrou 964 casos no primeiro ano que se tem dados e evoluiu para 1.442 em 2022, um aumento de 49,5%, o maior crescimento entre as regiões do país. O Norte teve 39,5% casos a mais do que em 2015 e o Centro-oeste 11,7%. Já o Sul e o Sudeste apresentaram redução neste período, sendo -26,8% e -2,4% respectivamente. 

“É muito provável que esses números não representem o total de casos de violência contra esta população”

Relatório População em Situação de Rua

Os dados não incluem casos de homicídio, já que esses são números de notificações de situações onde as vítimas de violência são pacientes atendidos pelo SUS e o agente público registra a situação de rua como motivação da violência. O próprio relatório do governo federal informa que “é muito provável que esses números não representem o total de casos de violência contra esta população”, reconhecendo que há subnotificações. 

Estados do Nordeste

Entre os estados, Sergipe foi onde os casos  mais cresceram, partindo de cinco registros em 2015 para 34 em 2022, um crescimento de 580%. Na sequência aparecem Bahia, com aumento de 116% e Rio Grande do Norte,  com 45%. Em contrapartida, no mesmo período, a Paraíba registrou redução de 40,5% e Alagoas 19%. 

Apesar da variação dos números durante os oito anos, a reportagem realizou o comparativo entre o ano com os dados mais antigos disponíveis e o mais recente. No ano de 2020 é possível perceber uma redução em todas as regiões, no entanto foi o ano do surgimento da pandemia da Covid-19, um período atípico. 

Ausência de dados oficiais

A Agência Tatu solicitou às secretarias de Segurança Pública dos nove estados do Nordeste os dados referentes à violência contra população em situação de rua por meio da Lei de Acesso à Informação no dia 18 de janeiro, mas apenas Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte responderam com alguns dados. 

Os estados da Bahia, Paraíba, Pernambuco e Sergipe responderam os pedidos sem dados.

As justificativas apresentadas foram a falta de estruturação do banco de dados ou até mesmo a ausência de um campo específico no boletim de ocorrência que especifique que a vítima esteja em situação de rua. Os estados do Piauí e Maranhão prorrogaram o prazo de resposta e até o fechamento da matéria não responderam aos pedidos. 

Mais de 300 homicídios em Alagoas

Apesar de apresentarem dados, os estados de Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte têm informações incompletas ou não seguem critérios em comum na metodologia de coleta de dados, não sendo possível realizar um comparativo proporcional. 

Entre 2012 e 2023, Alagoas registrou 308 homicídios de pessoas em situação de rua, 20 apenas em 2023. O Ceará registrou 56 homicídios entre 2019 e 2023, mas não informou as datas das ocorrências, nem outros tipos de violência. Já o Rio Grande do Norte contabilizou 43 lesões corporais entre 2019 e 2023, dois homicídios em 2020 e outro em 2021.

Sem dados, sem políticas públicas

O Movimento Nacional da População em Situação de Rua reconhece que a falta de dados enfraquece o combate à violência e as próprias investigações. O movimento contabilizou 37 homicídios no estado de Alagoas em 2023, quase o dobro do registrado pela Secretaria de Segurança Pública do estado. 

“Aqui [em Alagoas] o que acontece é um extermínio, temos a terceira capital onde mais se mata a população de rua”

Rafael Machado, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua

No caso de Alagoas, o coordenador do Movimento aponta que uma das dificuldades é a falta de acesso ao atendimento policial. “Essas pessoas têm dificuldade de se deslocar até a Delegacia Especial dos Crimes contra Vulneráveis, que funciona em Mangabeiras, muitos não têm acesso. 

“A falta de um levantamento preciso prejudica as demandas, porque sem dados não há investimento em políticas públicas que combatam essa violência”

Rafael Machado

Dificuldade para elucidação de casos

A Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL assegura que realiza cobranças pela  elucidação dos casos, mas que existe uma dificuldade em razão das singularidades enfrentadas pela população em situação de rua. “Os crimes carecem de testemunhas e outras provas. Neste caso, sugerimos uma maior proximidade dos setores de investigação nos serviços ofertados para este público”, afirma o secretário da Comissão, o advogado Arthur Lira. 

O secretário também enfatiza que acompanha os números de violência por meio da imprensa, dos dados do Movimento Nacional da População em Situação de Rua e das denúncias. Segundo ele, dados oficiais mais precisos e investigação rigorosa dos fatos seriam o caminho para combater o cenário de crimes contra a população mais vulnerável do país. 

“O controle preciso ajudaria a mapear os casos e a elucidação prescinde apuração rigorosa, com oitiva de testemunhas, filmagens  e, para isso, é necessário uma adaptação do cenário tradicional, especialmente em razão da singularidade da rua, ou seja, é preciso estabelecer locais acolhedores para ouvir esta população”, conclui.

Fonte: TNH1

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