Azeite caro: com alta no preço, chefs dão dicas para substituir ou aproveitar melhor o óleo
- Author, Michelle Tchea
- Role, BBC Travel
Na última década, as árvores cultivadas mais antigas da Terra ficaram mais vulneráveis. As condições climáticas cada vez mais rigorosas vêm causando secas e fortes tempestades de granizo com consequentes inundações. E esta combinação fez com que muitos bosques de oliveiras do Mediterrâneo secassem.
Os países com a maior produção de azeite de oliva — Itália, Grécia e Espanha — foram os mais afetados. E os chefs e consumidores foram surpreendidos pela necessidade de buscar substitutos para um ingrediente básico da cozinha.
“Nunca, em toda a minha vida, vi uma seca como esta”, afirma a produtora de azeite Rossella Boeri, da quinta geração de proprietários da Olio Roi em Badalucco, na Ligúria (noroeste da Itália).
Ela se refere à seca do último verão do hemisfério norte.
“Por sorte, as oliveiras são fortes, mas estamos enfrentando uma queda muito grande da produção, o que se refletiu nos preços do nosso azeite de oliva e, consequentemente, levou à redução do consumo e da demanda pelo nosso azeite”, explica ela.
Já em Almeria, na Andaluzia (sul da Espanha), Rafael Alonso Barrau confirma a queda dos números. Ele é agricultor da sétima geração de proprietários da Oro del Desierto.
“No ano passado, produzimos 15% menos que a média dos últimos 20 anos”, ele conta. “Podemos considerar normal, pois as oliveiras não produzem a mesma quantidade todos os anos e a variação de produção anual é a norma. Mas, este ano, tivemos menos de 45% da produção e isso faz muita diferença.”
As razões para os baixos números variam mas, para Barrau, as mudanças climáticas são a principal causa da crise.
Para ele, “a preocupação é que os nossos verões estão ficando mais longos e quentes e acreditamos que isso prejudique a viabilidade da produção.”
Enquanto os produtores de azeite lutam para sobreviver, os consumidores também sentem as consequências. As grandes companhias, que Boeri descreve como “cartéis”, estão aumentando os preços do produto, prejudicando as empresas familiares menores e causando pânico nos supermercados.
O aumento dos preços do produto vem sendo sentido em todo o mundo. A Europa está sendo mais atingida, especialmente porque, para muitos europeus, o azeite de oliva não é apenas um ingrediente — é uma marca cultural insubstituível.
“É como o sangue para o corpo humano, é uma parte de quem sou e, como chef, é a base de tudo o que faço”, afirma Matteo D’Elia, principal chef e proprietário do restaurante Umami, em Badalucco, na Itália.
Para ele, “a diversidade de azeite de oliva de alta qualidade não é apenas questão de sabor, mas fornece uma ideia do nosso terroir [um terreno onde se cultiva algo e suas características], da mesma forma que o vinho”.
“Diferentes regiões, diferentes solos oferecem sabores muito diferentes e, com isso, podemos extrair o óleo e o ambiente de onde ele vem — o que é realmente incrível para mim.”
Para o chef Diomis Angelos, do restaurante La Muna em Davos, na Suíça, o coração e a alma da cozinha grega podem ser encontrados em uma garrafa.
“[O azeite] é o fio dourado que une a complexa tapeçaria da minha herança cultural”, afirma ele.
“Eu me lembro da minha yiayia [avó] na nossa aldeia perto de Volos [região central da Grécia], cozinhando fasolakia ladera [literalmente, ‘feijões verdes de azeite de oliva’] e usando azeite do antigo bosque da família.”
“Yiayia começava aquecendo uma quantidade generosa de azeite em uma panela e o aroma do óleo aquecido indicava que o banquete da família iria começar. Ela acrescentava alho e cebola bem picados, deixava que eles amolecessem e se misturassem ao óleo, antes de acrescentar vagens frescas, batatas e tomates maduros”, ele conta.
O que os chefs e cozinheiros domésticos podem fazer com o azeite a preços proibitivos?
Preparo criativo
Em Creta, a maior ilha da Grécia, Poppy Kourkoutaki é a chef executiva do restaurante Bacchus, no hotel Minos Beach Art.
Ela acredita que, realmente, não existe substituto para o azeite de oliva nas suas receitas. Mas ela afirma que, observando outras tradições e culturas gregas (como o processo de cozimento lento da avó do chef Angelos), ainda é possível aprimorar as receitas do Mediterrâneo em tempos de escassez de azeite.
“Para alimentos saborosos sem usar muito azeite de oliva, o processo é muito importante. Ações como reduzir a temperatura para cozimento lento de guisados ou até o uso de uma panela cretense de cerâmica chamada moshari sto pilino podem ser superimportantes”, explica Kourkoutaki.
“Em Creta, nossos ancestrais usaram panelas de cerâmica por séculos. Nas aldeias rurais perto do meu restaurante com vista para a baía de Mirabello, eles ainda as usam com excelentes resultados, pois a panela retém muito melhor o calor. E a técnica de refogar lentamente extrai todos os sabores e caldos dos ingredientes, sem acrescentar muito azeite de oliva.”
A chef também explicou que realmente é possível eliminar por completo o azeite nos pratos cozidos lentamente, preparando um belo caldo de ossos.
“Basicamente, em vez de usar azeite de oliva como fonte de gordura, você usa a gordura da carne ou do peixe, uma antiga técnica de preservação da carne na época em que não havia geladeiras”, ela conta.
“O processo não é mais utilizado porque, realmente, não é saudável em comparação com o nosso azeite de oliva extravirgem nutritivo e rico em ômega que produzimos na ilha de Creta, mas é uma boa solução quando os óleos estão mais caros e difíceis de encontrar.”
O premiado padeiro Nicola Olivieri concorda que a criatividade na cozinha pode ser a solução para combater a crise do azeite de oliva.
Sua padaria Olivieri 1882 em Arzignano, no Vêneto (norte da Itália), é conhecida por seus premiados produtos para as festas, como o panetone apreciado no Natal e o pão fermentado de Páscoa chamado Fugassa Veneta. A padaria está na sua quinta geração.
Ao contrário de muitas receitas italianas, o panetone usa manteiga como gordura, o que inspirou Olivieri a produzir outros alimentos populares que não empregam azeite.
“Adoro a flexibilidade do azeite de oliva e acho que nunca preparei o jantar sem usar azeite em pelo menos um dos meus pratos”, ele conta. “Mas existem outros grandes pratos italianos que são culturalmente significativos para o Mediterrâneo.”
“Para focaccia e produtos de pão, o strutto, um tipo de gordura de porco, pode ser um bom substituto para fazer pães, grissini e até bolos”, explica ele. “Até óleos de sementes também podem servir de substitutos.”
“Mas, dito isso, eles irão mudar a receita porque o seu sabor é relativamente neutro, de forma que não irão acrescentar a mesma dimensão e aroma do azeite de oliva”, ressalta Olivieri.
Cristina Brizzolari, proprietária da marca de arroz artesanal Riso Buono, acredita que o azeite de boa qualidade é um dos principais ingredientes de pratos como risoto, Ela emprega a “filosofia de que, com pouco, podemos chegar longe”.
“Morando em Casalbeltrame, Novara [em Piemonte, no noroeste da Itália], tenho a sorte de estar rodeada por produtores de azeite de oliva de alta qualidade”, ela conta, “e sempre posso ir diretamente às fazendas para apoiar os colegas agricultores.”
“Com isso, você consegue economizar na quantidade durante o uso, já que os óleos prensados a frio de grau superior possuem sabor muito mais forte e pronunciado — você precisa de só um pouco para provar os verdadeiros sabores do Mediterrâneo.”
Carina La Delfa, também italiana, é chef de massas e abriu recentemente a padaria Lumos em Melbourne, na Austrália. Ela reconhece que não é raro pagar a mais por azeite de alta qualidade naquele país e busca sua nonna para conseguir inspiração.
“Uma ótima forma de fazer seu azeite de oliva durar mais é usar como decoração, como em coberturas e sobre pratos de macarrão terminados, em vez de cozinhar com ele”, ensina ela.
Como muitas pessoas que usam azeites misturados para fazer o produto durar mais, La Delfa divulga outro truque elegante ensinado por sua avó siciliana: “minha nonna costumava colocar suas azeitonas em tipos de óleo vegetal mais baratos para conseguir o sabor das azeitonas sem precisar comprar azeites caros”.
Para Rossella Boeri, o azeite de oliva de alta qualidade é parte da cultura e vale a pena lutar por ele.
“São três anos de produção com seca e altas temperaturas, mas somos a quinta geração de produtores de azeite de oliva. Nós continuaremos a enfrentar a situação climática e produzir excelente azeite de oliva, de alta qualidade, como o que a nossa família produziu em 1877.”