Governo Lula insiste na polarização, diz ex-ministro de Dilma
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva completa seu primeiro ano de governo com uma “maioria gigantesca” no Supremo Tribunal Federal, nunca vista antes em seus mandatos presidenciais, avalia o jornalista e analista político Thomas Traumann, que foi ministro da Secretaria de Comunicação Social no governo Dilma Rousseff.
Na visão de Traumman, Dino terá o claro papel de “defesa do governo” na Corte, caso tenha sua indicação aprovada no Senado, como é esperado – a sabatina está prevista para o próximo dia 13.
“Vai ter uma bancada muito forte antibolsonarista dentro do Supremo, que hoje é claramente (formada por Luís) Barroso, Gilmar (Mendes), o Alexandre (de Moraes) e agora com o Dino.
Embora ressalte a responsabilidade de Bolsonaro nesse processo, Traumann considera que a atuação do STF acaba contribuindo para a polarização da sociedade, algo que a nomeação de Dino pode reforçar.
Na sua leitura, a indicação do ex-governador do Maranhão não interfere no xadrez da sucessão de Lula, porque o PT não apoiará um nome de fora do partido em 2026, caso o presidente decida não disputar a reeleição devido a sua idade.
“Acho que nem o Dino achava que isso era possível”, ressalta.
Ao fazer o saldo do primeiro ano de governo, Traumann elogia os avanços na política ambiental e nas relações exteriores, assim como a decisão de colocar no centro da agenda econômica a tributação dos mais ricos, algo inédito nos governos petistas.
Por outro lado, é justamente na alimentação da polarização que identifica o ponto mais negativo do governo.
“A questão negativa é que o governo insiste na polarização, incentiva a polarização. Eu acho que o governo gosta da polarização”, critica.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista, editada por concisão e clareza.
BBC News Brasil – O que Lula ganha com o Dino no STF? Que papel ele pode cumprir?
Thomas Traumann – A gente tem que voltar um pouco atrás para fazer uma comparação entre o que é a indicação do Dino e o que eram as outras indicações que Lula fez na primeira gestão. O Lula basicamente terceirizou as indicações dele nos primeiros mandatos. Na prática, o Márcio Thomaz Bastos (então ministro da Justiça), o Sigmaringa Seixas, advogado próximo a Lula, e o Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo próximo a Lula, faziam uma sabatina com os candidatos, mas o Lula ficava um pouco distante disso.
Eu lembro uma indicação específica, que foi o (Menezes) Direito, que era um juiz muito conservador, muitos católico, mas que era um jurista super respeitado e que o Lula topou sem nenhuma grande questão. Isso, de certa forma, também se repetiu na Dilma (Rousseff). No critério brasileiro, foi a coisa mais perto, vamos dizer, do (sistema de indicação) isento.
Depois da Lava Jato isso mudou. O Lula sempre repetiu, desde que ele saiu da cadeia, que tanto o Supremo como a PGR trabalharam ativamente para promover o impeachment (de Dilma) e depois persegui-lo, prendê-lo. Então, era muito evidente que o Lula faria indicações muito pessoais para STF e PGR, de pessoas com as quais ele tinha uma relação pessoal, não apenas política, mas de confiança.
Eu acho que isso ficou claro na primeira indicação do Zanin e agora se repete na questão do Dino. São pessoas que vão ser para ele (Lula) o que foi o (ex-ministro do STF Ricardo) Lewandowski, que foi o único ministro que ficou fiel em todos os processos, tanto no Mensalão como na Lava Jato.
No caso do procurador-geral da República, todas as informações que a gente tem são de que o Lula conversou com vários nomes, mas nenhum desses nomes o seduziu. Porém, o fato de o (Paulo) Gonet ter um aval do Alexandre de Moraes e do Gilmar Mendes acabou sendo o ponto decisivo a favor dele.
É interessante a gente pensar que o Lula tem uma maioria muito instável na Câmara, que depende da votação, depende do tema, depende da relação com o Arthur Lira (presidente da Câmara) naquela semana. Ele tem uma maioria pequena, mas razoável no Senado. E tem uma maioria gigantesca no Supremo Tribunal Federal.
Acho que desde o governo Fernando Henrique não tem um governo que tenha uma vantagem (tão ampla no STF)… Qualquer decisão que for (importante para o governo) no Supremo, não tem mais aquela (preocupação) de que tem que cair (a relatoria) em tal ministro. Basicamente, de dez (ministros hoje em atuação), o governo tem sete com toda certeza. Talvez oito, dependendo do tema.
BBC News Brasil – Quem você não considera que não está junto com o governo, além dos indicados por Bolsonaro, Kassio Nunes e André Mendonça?
Traumann – O (Luiz) Fux acho que não é totalmente, dependendo da situação. Mas os outros são completamente.
Vamos dar um exemplo que eu acho que ajuda a entender. A Fazenda está com um sério problema em relação à questão fiscal e criou um sistema para tentar não incluir o pagamento de precatórios (dívidas da União reconhecidas na Justiça) nos gastos primários (despesas que afetam o cumprimento da meta fiscal) do ano que vem. O que, em termos contáveis, não há dúvida nenhuma que é um erro absurdo.
Só que, como isso (o adiamento do pagamento de precatórios do governo anterior para o atual) foi uma manobra do (ex-ministro da Fazenda) Paulo Guedes, meio que há uma boa vontade de todo mundo (no STF com o sistema proposto agora pela Fazenda).
O Supremo vai decidir a favor do governo (a entrevista foi concedida antes do fim do julgamento, que de fato favoreceu a demanda do governo, com placar de 9 a 1). É uma questão que realmente pode fazer toda a diferença para o governo no ano que vem, se ele vai colocar esse dinheiro ou não (do pagamento dos precatórios nas despesas primárias).
E, assim, já teve quatro votos a favor (acabou em 9 a 1), e o André Mendonça pediu vista (suspendendo o processo por até 90 dias). Os ministros foram em cima do André Mendonça (pressionando para liberar logo o processo), ele teve que devolver o processo em dois dias para resolver isso esse ano. Assim, criou uma maioria do governo no Supremo que eu não vi nesse século.
BBC News Brasil – A que atribui isso? Tem a ver com a gestão Bolsonaro, os ataques ao Supremo?
Traumann – Tem tudo a ver com Bolsonaro. Não vou dizer que a maioria dos ministros do Supremo tenha votado no Bolsonaro em 2018, mas é possível (que tenha tido votos na Corte).
O Supremo tomou uma decisão em 2018 para impedir que Lula fosse candidato. O então presidente do Supremo, que era o Toffoli (de setembro de 2018 a setembro de 2020), chamou o golpe militar de movimento militar. Quer dizer, começou com uma certa boa vontade inicial com o Bolsonaro, que se destruiu durante o tempo.
Provavelmente, a maioria desses ministros hoje tenha votado no Lula, (eles) não votaram no Bolsonaro (em 2022). Eu acho que o maior pesadelo dos ministros do Supremo é uma volta do Bolsonaro. Então, eu acho que tem uma boa vontade, a lua de mel do governo com o Supremo é muito mais longa do que a Câmara, o Senado e a sociedade vão dar.
BBC News Brasil – Gostaria de retomar a pergunta inicial sobre papel que Dino pode ter no Supremo, porque há uma clara diferença de perfil entre ele e Zanin. Dino tem uma bagagem política, por ter sido governador, parlamentar e ministro da Justiça. Que papel ele pode desempenhar?
Traumann – O Dino, obviamente, vai ser um ministro que vai falar tanto quanto o Gilmar Mendes, talvez mais. Eu acho completamente diferente do Zanin. Não vi uma entrevista grande dele (Zanin) até agora. Mas, no fundo, (Dino no STF) é a defesa do governo.
Em certo sentido, é como se a gente tivesse indo pra um Supremo americano. Ou seja, (uma Corte em) que fica muito evidente os ministros que vieram do governo X e os que vieram do governo Y. É como se a gente tivesse em transição (no STF) e, dentro de alguns anos, as pessoas vão falar: “os ministros indicados pelo Bolsonaro vão, em geral, tomar essa atitude; os novos ministros indicados pelo Lula vão tomar essa outra atitude”. Da mesma forma como a gente fala sobre (os ministros indicados por) republicanos e democratas nos Estados Unidos.
Acho que a gente tende a assistir isso nos próximos tempos, justamente porque chegou num nível de polarização tão absurda (da sociedade brasileira) que a Justiça também está polarizada.
BBC News Brasil – Estão sendo feitas algumas comparações, como se Dino no STF fosse ser para Lula um equivalente ao que Gilmar Mendes ou Nelson Jobim foi para o Fernando Henrique. Já outras comparações falam que Dino vai ser um novo Alexandre de Moraes, devido a seus embates com bolsonaristas. O que acha?
Traumann – Eu acho que, no fundo, você vai ter uma bancada muito forte antibolsonarista dentro do Supremo, que hoje é claramente (formada por) Barroso, Gilmar, o Alexandre e agora com o Dino.
Vai ser um núcleo de embate mesmo, cada um no seu estilo. Não vamos esquecer que teremos uma eleição em 2026 e nada indica que será uma eleição simples. Eu acho que será tão complexa como foi a de 2022.
BBC News Brasil – O campo bolsonarista tem muitas críticas ao Supremo e acusa a Corte e o TSE de ter apoiado a eleição do Lula. A atuação da Corte então reforça essa percepção?
Traumann – O Supremo Tribunal Federal no Brasil virou um protagonista, e isso não é bom. Mas isso não é de hoje, está acontecendo desde a Lava Jato.
(O STF) Começou a tomar posições em que interferiu (na política), como (impedir) a nomeação de Lula na Casa Civil (pela presidente Dilma) – vamos lembrar que foi o próprio Gilmar Mendes lá atrás (que barrou essa nomeação). Depois, a forma com Bolsonaro nomeou, ao afirmar “quero um ministro terrivelmente evangélico”.
Desde as primeiras manifestações do Bolsonaro (como presidente), ele sempre teve algo contra o Supremo. Atacar o Supremo era uma coisa intrínseca das manifestações bolsonaristas. E vai piorar. O que Bolsonaro fará na campanha de 2026? Ele fará um papel que ironicamente será similar ao do Lula em 2018. Vai falar assim: “eu fui injustiçado pela Justiça, me impediram de ser candidato, então votem no fulano de tal”.
BBC News Brasil – A indicação de Dino ao STF e a própria atuação do Supremo com essa bancada antibolsonarista contribuem para intensificar a polarização da sociedade?
Traumann – É inegável que a polarização brasileira contaminou todo o sistema. Contaminou o Senado, a Câmara, o Supremo, as televisões. Isso se deve muito ao radicalismo do bolsonarismo durante a campanha contra o Supremo e, depois da eleição, contra o resultado da eleição e, no fundo, (acabou por) incentivar o 8 de janeiro.
Esses atos esticaram a corda de tal forma que você não consegue hoje não ter uma posição. Todo mundo acaba tendo uma posição. Isso, no fundo, é ruim, mas é um fato.
BBC News Brasil – O Flávio Dino era visto como um nome que poderia suceder Lula, disputando a eleição em 2026 ou 2030. Como sua indicação ao Supremo mexe com esse xadrez político?
Traumann – Eu realmente nunca achei que o Dino fosse um candidato. A possibilidade do Lula indicar alguém de fora do PT como sucessor dele é mais um desejo das pessoas que não são do PT (do que uma possibilidade concreta). Acho que no final das contas, ele sempre ficaria com um petista. Então, acho que nem o Dino achava que isso era possível.
Eu acho que, no momento em que o Lula não for candidato a presidente, o candidato a presidente dele será alguém filiado ao PT.
BBC News Brasil – O cenário está mais para Lula tentar a reeleição, se tiver com saúde suficiente?
Traumann – Eu sou das raras pessoas no Brasil que acha que não. A minha impressão, de tudo que tenho conversando no (Palácio do) Planalto, em Brasília, é que a exaustão do Lula nos primeiros 11 meses não apontam para alguém que queira ficar 8 anos.
Tudo depende, obviamente, de como a situação vai estar (quando chegar a eleição), mas eu acho que o Lula talvez não seja candidato em 2026 e indique alguém. Especialmente, sem ter o Bolsonaro. Eu acho que se o Bolsonaro fosse candidato em 2026, o Lula se sentiria um pouco obrigado a ser ele o sujeito para (enfrentar o Bolsonaro).
BBC News Brasil – Hoje, o nome mais natural no PT para disputar no lugar de Lula seria o Fernando Haddad?
Traumann – Hoje, a situação mais natural seria o Haddad enfrentar o Tarcísio (Freitas, governador de São Paulo). Mas no momento em que o Lula disser que não é ele, vai ter um debate gigante dentro do PT. Não vai ser simples para o Haddad, até porque ministros da Fazenda (não costumam ser candidatos). Só teve o caso do Fernando Henrique.
Claramente, o Haddad sofre dentro do governo uma oposição muito forte do (ministro-chefe da Casa Civil) Rui Costa, sofre uma oposição no partido, da Gleisi (Hoffmann). Então, não tá dado (que será o Haddad). Embora o Lula, óbvio, tem importância (na decisão), não é uma coisa tão simples, não vai ter um dedaço como foi no caso da Dilma.
BBC News Brasil – A força do Haddad viria de já ter sido candidato a presidente e de um eventual desempenho satisfatório da economia?
Traumann – Ele foi o sujeito que Lula indicou em 2018, sabendo que a derrota era muito provável. Mas, de novo, ministro da Fazenda ser candidato não dá certo na Argentina, também não sei se dá certo aqui.
No fundo, hoje a polarização brasileira está tão firme, que qualquer candidato do presidente Lula tem (ao menos) 45% dos votos em 2026. E qualquer candidato que represente o bolsonarismo vai ter (ao menos) 45% dos votos, para começar. E você tem 10% dos votos em disputa.
Se o Lula pegar e decidir que o Paulo Teixeira, ministro da Reforma Agrária, será o candidato a presidente, o Paulo Teixeira vai crescer. E eu acho que se o Bolsonaro trabalhar por um candidato de verdade, não ficar no vai e volta, esse candidato vai crescer para caramba também.
BBC News Brasil – Então, mesmo sem Bolsonaro, o campo bolsonarista é forte para a disputa presidencial?
Traumann – Desde que ele tenha um candidato único, desde que ele seja organizado, porque o antipetismo no Brasil é muito forte.
O que o Bolsonaro não compreendeu é que ele não era só o Bolsonaro, era Bolsonaro mais o antipetismo. Ele tentou ser só Bolsonaro, ele perdeu essa maioria que ele tinha. Ficou só com a base dele.
Assim como o governo Lula tem que entender que ele é o governo Lula mais o antibolsonarismo. Esses 10% (de eleitores em disputa) que fazem a eleição. Nenhum dos dois lados tem a maioria dos brasileiros, mas, por oposição (ao outro lado), acaba tendo.
Se a gente olha para os mapas eleitorais, sem nenhum medo de errar, em 2026 o candidato do Bolsonaro vai ganhar no Sul, no Centro-Oeste e no Estado de São Paulo. O Norte vai ser meio que dividido, no Pará vai ganhar o candidato do Lula, no Nordeste vai ganhar o do Lula, e a eleição vai ser decidida em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e na cidade de São Paulo.
BBC News Brasil – E o desfecho vai depender muito da economia?
Traumann – A economia, mas não só. É inegável que você tem outros elementos, de valores, de identidades, que hoje fazem muita diferença.
Você tem essa identidade evangélica, ela perpassa a questão de gênero, a questão de raça, ou a questão de renda para ser pró-Bolsonaro. Da mesma forma, quando a gente pega eleitores declarados pretos, não importa onde vive no Brasil, eles vão estar (majoritariamente) com Lula.
Na última eleição, também teve uma questão de gênero muito forte que a gente nunca tinha visto, de 60% a 40% pró-Lula. Não sabemos se isso vai continuar porque eu acho que teve muito a ver com a questão da vacinação.
Mas a gente tem uma situação de lados muito fortes, com agendas muito particulares. Então, a agenda evangélica é muito particular, não depende da economia. A agenda identitária de raça ou de gênero também não depende da economia.
A economia é importante. Se tiver uma inflação de 20% ao ano no Brasil, o candidato do governo está perdido, porém, não é só isso. Tem coisas que fazem essa diferença e fazem para grupos que numa sociedade com a polarização tão sedimentada, tão calcificada, essas coisas acabam sendo o que faz a diferença para ganhar ou perder a eleição.
BBC News Brasil – O que vê de mais positivo e de mais negativo no primeiro ano do governo Lula?
Traumann – Eu acho que tem coisas muito positivas. A questão do meio ambiente é inegável. Só colocar a Marina Silva (como ministra) já é uma coisa ótima, mas o fato é: os resultados foram muito rápidos. O que mostra que era quase só vontade política, só de colocar as pessoas para fiscalizarem teve uma redução dramática (de desmatamento).
Com os seus erros e acertos, eu acho que a política internacional tem um saldo positivo, porque tira a lógica do Brasil como um pária como estava.
E, acho que, no fundo, a transição econômica que o Haddad está fazendo é positiva, porque ele conseguiu acabar com o Teto de Gastos e aprovar um outro marco fiscal com uma lógica que a esquerda nunca teve no Brasil. A lógica é: eu tenho que manter o gasto social, está dado que Lula não vai não parar de gastar, mas então eu vou cobrar dos riscos.
Quanto eles vão conseguir arrecadar a gente vai ver ano que vem, mas é uma agenda de aumento de tributos diferente do que a gente via que é “ah, todo mundo vai pagar”.
A questão negativa é que o governo insiste na polarização, incentiva a polarização. Eu acho que o governo gosta da polarização.
Depois de 8 de janeiro, o governo poderia ter trabalhado para reduzir o clima. Usar aquele exemplo pra dizer “esses caras aqui são fora do limite, vamos jogar dentro do jogo jogado e vamos disputar 2026, não vamos disputar agora”. O governo não fez isso, o Lula não fez isso. Manteve esse ritmo de confronto ao Bolsonaro, de confronto dentro da política, que eu acho que não faz bem ao Brasil.
É lógico que é muito evidente a responsabilidade do bolsonarismo no radicalismo da polarização brasileira, mas não existe uma briga de um lado só. Ou seja, também tem do lado do governo, do lado petista, uma continuação de um sistema de guerrilha de eleição que, no fundo, não é necessária. Acho que isso é o maior problema.
BBC News Brasil – Por que taxar os ricos não foi uma agenda dos governos anteriores do PT?
Traumann – Acho que faltou coragem, e acho que a dinâmica de acordos era distinta. O Lula 1, o Lula 2 e Dilma 1 eram governos que já de início, principalmente Lula 2 e Dilma 1, já entraram com o Centrão, que já tinha um acordo tão grande que não tinha como fazer os enfrentamentos, pois estava com esse pessoal dentro do seu governo.
A aliança que elegeu Lula em 2022 foi uma aliança, no fundo, muito magrinha, só de esquerda, (que tem apenas) 120 deputados. Então, isso permitiu duas coisas. Primeiro, o governo falou: “olha, nós fomos eleitos para dar mais Estado. Não tenha ilusão, Faria Lima”. Mais Estado seja em função da vacinação, seja em função do Bolsa Família. Então, vai ter um nível de gasto muito maior.
E, depois, o governo disse: “Agora, a gente concorda, não dá pra ter déficit para sempre, não vamos fazer o erro do governo Dilma. Só que quem vai pagar vão ser vocês”.
BBC News Brasil – Lula tem aprovação de cerca de metade da população. Isso tem oscilado pouco, ora sobe, ora cai. Diante da forte polarização da sociedade, tem como ampliar sua popularidade?
Traumann – Se compararmos a popularidade do governo Lula com a popularidade de outros governos que assumiram nos últimos tempos, ela está mantendo uma estabilidade em um nível muito mais alto. O (presidente americano Joe) Biden, depois de seis meses, já começou a cair para menos de 50% (de aprovação). O (presidente chileno Gabriel) Boric nem se fala. Há uma sensação muito clara de (falta de) paciência do eleitor . A lua de mel (após a eleição) está cada vez mais curta. É uma coisa global.
Então, manter a popularidade desse tamanho é uma enorme vitória. O normal seria estar mais perto de 45% do que acima de 50%, como está. A economia não tá essa maravilha, não é 2010 (quando o PIB teve forte alta e Lula tinha mais de 80% de aprovação).
Agora, é sustentável uma popularidade desse tamanho? Eu acho que não. Enquanto o governo mantém o discurso de embate, ele ajuda o outro lado a se organizar.
Quando o Bolsonaro falava pro cercadinho dele, ele organizava o cercadinho dele, mas ao mesmo tempo ele organizava a oposição ao cercadinho. Quando o Lula vai para o embate, ele organiza a sua tropa, mas ao mesmo tempo está ajudando a organizar as pessoas (do outro lado). Acaba ressaltando o antipetismo em pessoas que estavam mais ou menos adormecidas. A tendência é (a popularidade) talvez cair devagarinho, não vai ficar nesse nível.
BBC News Brasil – Quais desafios vê para o governo no próximo ano?
Traumann – Eu acho que será um ano mais difícil que o primeiro. A economia vai crescer menos, provavelmente metade do que cresceu esse ano. Teve uma retração no terceiro trimestre, é possível que a gente tenha zero (crescimento) agora nesse quarto. Então, já está diminuindo a rotação da economia.
A gente não sabe o tamanho do El Niño (fenômeno climático que têm intensificado secas e enchentes no Brasil). O Lula teve uma super safra gigante (em 2023) que deu uma deflação de alimentos fantástica. Isso ajudou muito a popularidade do governo, picanha barata, etc. Como que isso vai ser ano que vem? Não sabemos. É provável que você tenha algum efeito do El Niño.
E o ano que vem tem eleição municipal. Isso permite à oposição ter um espaço na televisão todos os dias falando mal do governo. Então, a polarização vai se estressar.
BBC News Brasil – Qual sua expectativa para a sucessão no Ministério da Justiça e Segurança Pública?
Traumann – Acho que a discussão, no fundo, é se vai ter um Mistério da Justiça e Segurança Pública, ou um Ministério da Justiça e um da Segurança Pública. Pra mim, está claro que o PT quer o ministério da Segurança Pública.
O PT quer ter uma política de segurança para contrabalançar o discurso bolsonarista sobre segurança para 2026. Então, isso para mim é mais importante que os nomes (cotados pra suceder Dino).
Se continuar com um único ministério, vai também ser um ministro que vai fazer essa política petista de segurança pública.
No fundo, eles (os petistas) olham para as pesquisas e veem que a Segurança Pública é uma preocupação que vai para além do bolsonarismo. Tem muita gente preocupada com isso na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo. A ideia de que a esse é um problema (só) dos governadores já não cola mais.
Agora, se você me pergunta qual é a política de segurança pública (que o PT quer implementar), eu também não sei. Não sei qual seria essa pessoa, mas eu vejo a ansiedade.