Eleições na Argentina: quem são Sergio Massa e Javier Milei, que disputam a presidência do país
A Argentina escolhe neste domingo (19/11) quem será seu próximo presidente, em um segundo turno disputado por dois candidatos: de um lado, o ministro da Economia do atual governo peronista, Sergio Massa, e, do outro, o economista libertário Javier Milei.
Massa — um político de carreira, do lado mais centrista do peronismo — foi o mais votado na primeira rodada de eleições em 22 de outubro, quando obteve cerca de 37% dos votos, contra 30% do adversário.
Já Milei, que ingressou na política em 2021 com um novo partido (A Liberdade Avança), pelo qual conseguiu se eleger deputado, surpreendeu com uma liderança inesperada nas primárias de agosto passado, quando ficou em primeiro lugar por ampla margem.
A maioria das sondagens — que não acertaram em nenhuma das duas instâncias eleitorais anteriores — preveem que as eleições deste domingo serão muito acirradas.
Quatro dão vitória a Massa, por uma pequena margem. Seis apontam que Milei será o grande vencedor.
Entre as pesquisas de intenção de voto mais recentes está a da consultoria brasileira Atlas Intel, que ganhou notoriedade por acertar os resultados do primeiro turno e das eleições de 2019, por mais inesperados que tenham sido.
Sua última medição, realizada entre os dias 5 e 11 de novembro, deu uma diferença de quatro pontos percentuais a favor de Milei.
Milei teria 52,1% dos votos, contra 47,9% de Massa, de acordo com a sondagem da Atlas Intel.
Quem vencer as eleições vai encontrar uma economia em estado crítico, com uma inflação interanual que ultrapassou 142% em outubro e níveis de pobreza que atingem mais de 40% da população (e 56% nas crianças menores de 14 anos).
A isso soma-se o fato de os cofres do Banco Central estarem vazios, as contas públicas no vermelho e o país ser o principal credor do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao qual deve pagar pelo empréstimo de US$ 44 bilhões (R$ 213 bilhões, em valores atuais) contraído em 2018 durante o governo de Mauricio Macri (2015-2019).
Massa, que assumiu o ministério da Economia em agosto de 2022, em plena tempestade política e financeira, foi apelidado de “superministro” pela imprensa local, uma vez que também assumiu o controle das pastas de Desenvolvimento Produtivo e da Agricultura, Pecuária e Pesca.
Ele propõe “ordem fiscal, superávit comercial, competitividade cambial e desenvolvimento com inclusão”, além de defender o modelo de intervenção estatal da sua coligação de centro-esquerda, a União pela Pátria, para proteger o peso, a moeda local.
Milei, por sua vez, quer cortar drasticamente os gastos públicos, dolarizar a economia e fechar o Banco Central, e definiu o atual governo como uma “casta política parasitária” e o peso como “excremento” (aprofundando, segundo seus críticos, a turbulência financeira do país).
Mas quem são os dois homens que disputam neste domingo a presidência da terceira maior economia da América Latina?
Quem é Sergio Massa?
O fato de o candidato governista ter sido o mais votado no primeiro turno surpreendeu muitos.
Afinal, Sergio Massa é ministro da Economia de um país com uma inflação anual superior a 142%, uma das piores taxas do mundo.
Mas, além disso, esse advogado de 51 anos foi formado politicamente num partido liberal conservador (União de Centro Democrático), e propõe medidas “pró-mercado”, longe dos ideais tradicionais do partido fundado por Juan Domingo Perón (1895-1974).
Na verdade, é quase impossível classificar Massa, um político cuja principal característica tem sido o pragmatismo.
Em 1999, ele obteve seu primeiro cargo eletivo como deputado provincial de Buenos Aires e três anos depois foi nomeado diretor da Administração Nacional da Seguridade Social (Anses), órgão responsável pelos principais gastos públicos do Estado.
Ocupou esse importante cargo por cinco anos, durante toda a presidência de Néstor Kirchner (2003-2007).
Em 2005, foi eleito deputado nacional, mas nunca assumiu de fato o posto.
Massa deixou a Anses em 2007 para se tornar prefeito do município de Tigre, onde mora, na próspera zona norte da Grande Buenos Aires.
Mas, apenas oito meses depois, foi novamente promovido, assumindo o cargo de chefe de gabinete de Cristina Fernández de Kirchner, que sucedeu ao marido Néstor no comando da Casa Rosada, entre 2007 e 2015.
Massa ficou no cargo por apenas um ano. Desencantado com o novo rumo que o kirchnerismo havia tomado, voltou a assumir a prefeitura de Tigre em 2009, de onde começou a construir seu próprio espaço político.
Já com o seu próprio partido — a Frente de Renovação — Massa emergiu como o principal rival interno do Kirchnerismo dentro do espaço peronista, obtendo e finalmente ocupando um assento como deputado nacional nas eleições de 2013.
Essa vitória foi um duro golpe para Cristina Kirchner, já que Massa derrotou seu candidato na província.
A rivalidade entre os dois ficou mais explícita nas eleições presidenciais de 2015, nas quais Massa concorreu como candidato contra Daniel Scioli — escolhido como sucessor de Kirchner — e Mauricio Macri, da coalizão de centro-direita Cambiemos, que acabou sagrando-se vencedor no segundo turno.
O apoio de Massa, que obteve mais de 21% dos votos, facilitou a vitória de Macri.
Dada a rivalidade explícita entre os dois, Massa e Kirchner surpreenderam em 2019 quando anunciaram que uniriam forças com outro crítico de Macri, Alberto Fernández, para formar uma coligação eleitoral pan-peronista, com a intenção de evitar um segundo mandato do adversário.
A estratégia deu certo e a tríade assumiu o governo: Fernández como presidente, Kirchner como vice e Massa como presidente da Câmara dos Deputados.
Os embates internos no governo levaram à saída do ministro da Economia, Martín Guzmán, e o que parecia ser um desastre inevitável foi contido quando Massa, com o apoio dos seus dois parceiros políticos, assumiu o controle dessa e de outras duas pastas econômicas em agosto de 2022.
Neste ano, o “superministro” conseguiu ser ungido como o novo candidato daquela coligação — rebatizada de União pela Pátria — nas eleições presidenciais e, depois de ter conseguido o apoio do voto peronista, procurará agora atrair os eleitores dos candidatos que ficaram de fora do segundo turno, especialmente os de esquerda e os do governador de Córdoba, Juan Schiaretti, um peronista anti-kirchnerista.
Ele também tentou atrair os eleitores de sua ex-rival Patricia Bullrich, da coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança (JxC), que ficou de fora do segundo turno depois de terminar em terceiro lugar, com quase 24% dos votos, mas sem sucesso.
Logo após o resultado do primeiro turno, Bullrich se posicionou a favor de Milei.
Massa anunciou que seu governo será de unidade.
“Vou chamar aqueles que considero os melhores ou aqueles que a sociedade valoriza”, disse após o primeiro turno, garantindo que incluirá políticos de diferentes partidos, como a União Cívica Radical (UCR, opositor histórico do peronismo) e outros setores da JxC, coalizão que levou Mauricio Macri à presidência em 2015 e que também apoia Milei.
Quem é Javier Milei?
Economista e amante de cães, Javier Milei, de 53 anos, abalou as eleições com propostas radicais como dolarizar a economia, privatizar empresas estatais públicas e fechar (“dinamitar”, em suas próprias palavras) o Banco Central.
Tendo sido o mais votado nas primárias de agosto, havia a expectativa de que ele poderia vencer no primeiro turno — mas Milei não só não conseguiu tal feito, como ficou em segundo lugar, atrás de Massa.
Durante sua campanha, lançou ideias polêmicas como permitir o porte de armas na Argentina e a venda de órgãos, e criticou a educação e a saúde pública.
Porém, durante a campanha do segundo turno, Milei optou por suavizar o tom em suas posições mais extremas.
Ele também gerou polêmica ao criticar duramente o papa Francisco (a quem acusa de apoiar o comunismo), ao se manifestar contra a legalização do aborto e ao relativizar a violência militar durante a ditadura.
Mas a sua crítica direta aos setores tradicionais da política argentina, a quem ele depreciativamente chama de “a casta”, foi o que o levou a se conectar com os eleitores mais jovens, insatisfeitos com o atual estado das coisas no país.
Milei foi comparado a outros políticos de extrema direita, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PL).
“Conseguimos construir esta alternativa competitiva que não só acabará com o kirchnerismo, mas também acabará com a casta política parasitária estúpida e inútil que existe neste país”, afirmou ele, com o tom beligerante que o caracteriza.
Milei, que entrou na política há dois anos após se tornar famoso como comentarista econômico na TV, entrou na corrida presidencial com um novo e disruptivo discurso, que define como libertário e anarcocapitalista, e procura assim ser o primeiro economista a chegar à Casa Rosada.
Não se trata de algo menor para um país que era um dos mais ricos do mundo, mas que há anos registra uma inflação galopante — estimativas apontam que 40% da população vivem abaixo da linha da pobreza.
Em alguns eleitores, sua figura gera medo e rejeição porque o acusam de ser incendiário, beligerante e perigoso.
No entanto, Milei consegue captar o voto dos mais insatisfeitos com décadas de crise no país.
“Ele conseguiu capturar o tédio dos que estão no topo, dos que estão na base, dos que estão no meio, das crianças, dos adultos, o cansaço de todos”, diz Juan Carlos de Pablo, economista da Universidade de San Andrés e amigo de Milei há mais de 30 anos.
O que mostram as sondagens
Embora Massa tenha conseguido quase sete pontos percentuais a mais do que Milei no primeiro turno, não tem vitória assegurada no segundo turno, uma vez que muitos votos terão que ser repensados e distribuídos entre os dois candidatos.
Pouco após ficar de fora do segundo turno, Patricia Bullrich, que ficou em terceiro lugar no dia 22 de outubro com quase 24% dos votos, apoiou a candidatura de Milei, com quem teve duros entreveros durante a corrida presidencial.
Macri também pediu aos eleitores do Juntos pela Mudança que votassem em Milei, uma decisão que fragmentou aquela coligação de centro-direita, também formada pela UCR, que defendia o voto em branco.
O ex-presidente argentino disse que Milei não tem representantes suficientes no Congresso para aprovar muitas das suas propostas mais extremas e apelou ao voto nele para “libertar e tornar a Argentina transparente”.
Juan Schiaretti, que ficou em quarto lugar, com quase 7% dos votos, não tomou partido, embora tenha deixado claro que considera Massa um kirchnerista, o que muitos interpretaram como uma crítica à sua candidatura.
Porém, alguns setores do peronismo e do socialismo que o apoiaram no primeiro turno anunciaram que apoiarão o candidato oficial.
Por sua vez, Myriam Bregman, do Partido Socialista dos Trabalhadores (PTS), que ficou em quinto e último lugar em outubro, com 3% dos votos, defendeu o “não voto” em Milei, embora tenha esclarecido que essa posição não implica apoio “político ou eleitoral” a Massa.
Para já, o ministro da Economia parece ter conseguido distanciar a sua imagem da crise que vive o país e tem conseguido capitalizar a sua postura centrista e moderada face a uma figura muito mais inovadora como Milei.
“Uma nova etapa começa no dia 10 de dezembro, com o meu governo”, disse Massa, que diz buscar consenso e acabar com a divisão entre o Kirchnerismo (de Néstor e Cristina Kirchner) e o Macriismo (de Macri), uma marca da política argentina durante este século 21.
Ele também tem aproveitado sua função como ministro para aplicar medidas tão polêmicas quanto populares, como redução de impostos e concessão de bônus, que seus detratores criticaram duramente, chamando-o de “plan platita” (“plano mesada”, em tradução livre).
Durante um debate presidencial no domingo passado (12/11), Massa parecia confiante e encurralou seu rival de direita, que passou grande parte do tempo se defendendo dos ataques políticos e pessoais do peronista.
No entanto, os apoiadores do economista destacaram que a troca mostrou que Milei é um outsider, com pouca experiência política, ao contrário de Massa, que é um político profissional e “fez parte da casta durante toda a vida”.
Enquanto Milei defende um papel mínimo, quase inexistente, do Estado, Massa é o representante de um Estado forte.
E isso pode ser um fator-chave num país onde existem muitos funcionários públicos e programas de assistência social dos quais depende mais de metade da população.
“No dia 19 de novembro, temos que definir se construímos um país que abrace a todos ou o país do ‘cada um por si'”, defendeu Massa.
Por sua vez, Milei procurou moderar o seu discurso para atrair eleitores de centro-direita, assustados com algumas das suas propostas mais extremas.
“Dois terços dos argentinos votaram por uma mudança. Votaram por uma alternativa a este governo de criminosos que quer hipotecar nosso futuro para permanecer no poder”, disse Milei após o primeiro turno.
“Todos nós que queremos mudanças devemos trabalhar juntos. Se trabalharmos juntos podemos vencer, podemos impedir que os nossos filhos deixem o país, podemos acabar com a corrupção, podemos acabar com os privilégios da casta política”, acrescentou.
Os resultados das eleições presidenciais deste domingo deverão ser conhecidos a partir das 21h locais (21h de Brasília).