Jornalista da BBC testa ferramenta de IA que calcula idade do coração
- Author, Pallab Ghosh
- Role, Repórter de Ciência da BBC News
Uma nova ferramenta de inteligência artificial (IA) é capaz de mostrar até que ponto o álcool, o cigarro, a má alimentação e a falta de exercício podem acelerar o envelhecimento prematuro do coração.
A pesquisa busca formas de reverter esse processo, reduzindo assim o risco de AVC, doenças cardíacas e outros problemas de saúde relacionados à idade.
Trata-se de um sistema desenvolvido pela equipe do professor Declan O’Regan, membro do Conselho de Pesquisa Médica (MRC) do Instituto de Ciências Médicas de Londres (LMS).
E eu tive a oportunidade de experimentá-lo.
“Olhando para o rosto de uma pessoa podemos determinar se sua aparência é jovem ou está envelhecida. Com nossos órgãos acontece o mesmo”, diz O’Regan.
“Algumas pessoas têm um coração muito mais jovem do que elas, enquanto outras têm órgãos envelhecidos prematuramente e são mais propensas a terem doenças. Estamos tentando descobrir de quais fatores isso pode depender”.
Contei ao professor O’Regan que meu estilo de vida não é de todo prejudicial à saúde, mas que também poderia me alimentar melhor, perder um pouco de peso e me exercitar mais.
Além disso, cresci comendo muito “ghee”, manteiga clarificada, que minha mãe usava para realçar o sabor dos seus deliciosos pratos com curry, do arroz e do pão indiano que preparava.
Tudo isso se junta a um histórico familiar de colesterol alto, pressão alta e diabetes.
Ter origens genéticas na Ásia Meridional também significa que sou mais propenso a ter doenças cardíacas, então não estava muito esperançoso quanto ao resultado da análise.
Topei mesmo assim. Afinal, tudo pela ciência.
Existem muitas maneiras de avaliar a saúde do coração, como fazer tomografia, eletrocardiograma (ECGs) ou medir a pressão arterial. Porém essas são formas de retratar o momento presente, ou seja, uma situação que pode variar mês a mês ou até diariamente.
A análise feita por IA, no entanto, mostra o desgaste sofrido pelo coração ao longo da vida, por conta de fatores como bebida, cigarro, má alimentação e falta de exercício, explicou o professor O’Regan.
Fizemos, entre outras coisas, uma ressonância magnética (MRI) do meu coração, logo após eu praticar um pouco de exercício.
Às vezes, os primeiros sinais de envelhecimento prematuro são tão sutis que escapam até de cardiologistas expertos. Mas não da ferramenta de IA, alimentada tanto com imagens de 40 mil pessoas com diversos níveis de saúde cardíaca, quanto com seus respectivos dados de saúde.
O sistema analisou centenas de pequenos detalhes na animação em 3D da minha ressonância magnética e os comparou aos de 5 mil outras pessoas, de diferentes faixas etárias, todas com hábitos saudáveis.
Se alimentar melhor
A ferramenta calculou que a idade do meu coração é de 63 anos, isto é, só alguns a mais dos que eu efetivamente tenho, portanto a coisa não está tão feia como eu temia.
Perguntei ao professor O’Regan se esse bom resultado podia ser fruto de algumas mudanças recentes nos meus hábitos, como ter começado a me exercitar regularmente e a me alimentar melhor, e se isso podia ter contribuído a contrabalancear todo o ghee, a cerveja e a vida sedentária dos anos anteriores.
Ele respondeu que era justamente isso que ele estava buscando descobrir na próxima parte de sua pesquisa, que posteriormente foi publicada na revista Nature Communications.
“Não sabemos se o envelhecimento prematuro do coração tem causas genéticas, e portanto se cada pessoa nasce destinada a ter um coração mais ou menos velho, ou isso se é consequência do seu estilo de vida”, diz o professor O’Regan.
“Também não sabemos ainda se o ritmo de envelhecimento pode ser alterado ou mesmo revertido, fazendo o coração rejuvenescer através de tratamentos adequados.”
Reverter o envelhecimento
Segundo uma primeira análise, os genes associados à elasticidade muscular e ao surgimento das rugas são um fator relevante.
Outro conjunto de genes, este associado ao sistema imunológico, também desempenha um papel importante. Essas células combatem doenças e removem tecidos mortos, mas, caso se tornem hiperativas, podem agir com força excessiva, danificando tecidos e causando inflamação.
E um terceiro conjunto de genes, responsáveis pelo transporte de sinais elétricos através do coração, também parece estar envolvido. Se esse transporte for interrompido em algumas áreas, o batimento cardíaco pode se tornar irregular.
De acordo com o professor O’Regan, entender o papel dos genes no envelhecimento prematuro do coração pode ajudar a desenvolver tratamentos direcionados para agir sobre esses mecanismos, resultando em vidas mais longas e saudáveis.
“A genética pode nos ajudar a atrasar ou reverter o envelhecimento, e exames como estes também podem ajudar a testar a eficácia de novas terapias, avaliando seu impacto sobre os danos ao coração”, acrescenta.