Enquanto aumentam ataques na orla brasileira, especialistas debatem se traje de banho pode atrair tubarões
- Author, Stephen Dowling
- Role, Da BBC Future
A cor dos equipamentos de resgate no mar tem uma razão de ser muito importante.
Uma mancha amarela ou laranja destaca-se contra o azul e o preto no mar aberto. E essa cor reluzente pode ser a única chance de um marinheiro boiando ou um sobrevivente de um desastre aéreo ser visualizado por um navio ou avião que passe pelo local.
Mas quem mais poderia ser atraído por essas cores brilhantes na superfície da água?
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Marinha americana recebeu muitos relatos de testemunhas sobre ataques de tubarões a fuzileiros navais e pilotos de avião que haviam sido lançados ao oceano.
Estes incidentes incluem o naufrágio do navio USS Indianapolis, perto do fim da guerra, que pode ter resultado em centenas de sobreviventes que foram caçados por tubarões.
Os cientistas da marinha sabiam que o movimento de pessoas vivas na água e o sangue dos marinheiros mortos ou feridos atraem os tubarões. Mas será que a cor dos salva-vidas também influenciou o comportamento dos animais?
A possibilidade de que os tons brilhantes dos equipamentos salva-vidas possam atrair tubarões levou algumas pessoas a apelidar a cor de “amarelo nham-nham”.
Essa propensão de atrair tubarões curiosos que teriam algumas cores passou a ser um mito particularmente duradouro, que sempre ressurge quando ocorrem ataques de tubarões em série.
Em julho de 2023, surgiram relatos de diversas pessoas mordidas nas praias de Long Island, em Nova York (Estados Unidos), que levantaram questões sobre o que poderia estar por trás desses incidentes.
A espécie de tubarão envolvida – o tubarão-mangona, normalmente dócil e amigo de aquários – alimenta-se principalmente de peixes e crustáceos, como lagostas.
Acredita-se que essas mordidas possam ter sido causadas por erros de identificação – os tubarões estariam confundindo os braços e as pernas dos nadadores com os peixes que eles caçam nas águas rasas de verão – ou por animais curiosos com comportamento explorador.
Os motivos exatos dos ataques de tubarões, muitas vezes, são complexos e não os compreendemos totalmente. Mas será que a cor dos trajes de banho, pranchas de surfe e outros equipamentos tem alguma influência, como suspeitou a marinha americana?
Os tubarões possuem sentidos que parecem ser quase sobrenaturais, em comparação com os nossos.
Eles podem detectar aromas entre uma parte por 25 milhões e uma parte por 10 bilhões. Eles também sentem movimentos na água por meio de uma linha de sensores que corre ao longo do seu corpo e dos sinais elétricos dos peixes se debatendo.
O renomado cientista especializado em tubarões Sam Gruber (1938-2019) foi o fundador da Sociedade Norte-Americana dos Elasmobrânquios. Ele estudou detalhadamente a visão dos tubarões.
Em um vídeo dos anos 1970 para a marinha americana – ameaçadoramente intitulado Sharks: The Danger in the Sea (“Tubarões: o perigo no mar”, em tradução livre) -, Gruber afirmou:
“Eu me interessei pela visão dos tubarões quando a marinha nos contou a seguinte história: em um desastre aéreo/marítimo, os pilotos estavam vestindo trajes laranja, enquanto a tripulação vestia trajes de cor verde e cáqui. Os pilotos – segundo um homem – foram atacados pelos tubarões, aparentemente porque estavam vestindo roupas laranja, enquanto os homens com trajes verdes foram totalmente ignorados.”
Os estudos de Gruber e sua equipe comprovaram que, como os seres humanos, os tubarões podem diferenciar o claro do escuro e possuem excelente acuidade visual.
Os estudos também demonstraram que os olhos de alguns tubarões contêm cones e bastonetes. Os bastonetes são úteis para detectar movimentos e discernir contraste, enquanto os cones conseguem perceber as cores e pequenos detalhes.
A literatura anterior sobre os tubarões indicava que a maioria das córneas dos tubarões continha apenas bastonetes e que eles conseguiriam ter apenas uma visão monocromática e mal iluminada do mundo. Esta informação é válida entre os tubarões que vivem em águas mais profundas, onde sentir os movimentos é mais importante do que observar as cores e pequenos detalhes.
Mas Gruber encontrou outras espécies, como o grande tubarão-branco, que possuem concentração mais alta de cones, o que significa que eles conseguem ver com mais detalhes e discernir melhor as cores.
As espécies pelágicas (que vivem em mar aberto e não no fundo do oceano), como o tubarão-galha-branca-oceânico, são responsáveis pela maioria dos ataques após os naufrágios de navios e acidentes aéreos. Elas possuem relativamente poucos cones, segundo Gavin Naylor, diretor do Programa de Pesquisa de Tubarões da Flórida, na cidade norte-americana de Gainesville.
“Isso foi estudado mais rigorosamente pelo fisiologista Nathan Hart, na Austrália”, explica Naylor. “Ele examinou o perfil da retina de diferentes tubarões e observou quais cores eles percebem. E o que Nathan descobriu é que a maioria dos tubarões, os tubarões pelágicos, não consegue ver muito bem as cores.”
Hart é especialista nos sentidos dos tubarões da Universidade Macquarie em Nova Gales do Sul, na Austrália. Ele examinou a disposição dos cones e bastonetes nos olhos dos tubarões, bem como a presença de proteínas sensíveis à luz – conhecidas como opsinas – que permitem aos animais diferenciar as cores.
Em uma análise das pesquisas científicas mais recentes sobre a visão dos tubarões, ele concluiu que muitas, se não todas as espécies de tubarões estudadas até hoje possuem visão monocromática. Aparentemente, eles perderam a capacidade de ver em cores em diversos pontos da sua história evolutiva.
Mas isso não significa que os tubarões têm visão ruim. O estudo de Hart indica que algumas espécies que vivem no fundo do mar, por exemplo, aparentemente têm sensibilidade mais aguçada ao contraste, em comparação com outros animais vertebrados.
A qualidade da água também pode influenciar a visão dos animais. Na água transparente com luz do sol brilhante, os tubarões conseguem discernir melhor os objetos. Espécies que viajam pelo oceano, como o tubarão-azul e o tubarão-galha-branca-oceânico, costumam caçar perto da superfície, onde a luz normalmente é de boa qualidade.
Pesquisas revelaram que os ataques de tubarões-brancos costumam ocorrer com mais frequência em águas turvas e muito menos transparentes.
Um estudo recente, liderado por Hart e pela bióloga sensorial de tubarões Laura Ryan na Universidade Macquarie, utilizou câmeras subaquáticas para reproduzir a “visão pelo olhar dos tubarões” dos nadadores e surfistas na água.
Os cientistas concluíram que é difícil distinguir entre a forma e o movimento dos nadadores e das focas, que são a principal presa do tubarão-branco. E, em águas turvas, essa dificuldade pode ser ainda maior.
A probabilidade, segundo Naylor, é que, se você não puder ver o tubarão, ele não pode ver você. Mas existem alguns padrões ou combinações de cores que facilitam muito o discernimento embaixo d’água.
“Se você tiver algum padrão, como um disco de Secchi [usado para medir a turvação da água], por exemplo, que é preto e branco, você tem uma chance muito melhor de vê-lo à distância do que se estivesse em amarelo e verde camuflado”, explica ele.
“O que Nathan demonstrou é que, na verdade, não é o amarelo, mas sim o amarelo sobreposto com padrões específicos contra cores mais escuras”, prossegue Naylor. “Ou seja, eles conseguem detectar o contraste.”
Alguns dos experimentos de Gruber nos anos 1970 examinaram especificamente as cores que os tubarões podem ser capazes de diferenciar.
Ele concluiu que o tubarão-limão – uma espécie que passa grande parte do tempo em águas rasas, como mangues – é mais suscetível à cor verde à noite e ao amarelo durante o dia. Este fenômeno é amplamente observado na visão dos animais e é conhecido como efeito Purkinje.
Olhos blindados
O maior peixe vivo do mundo – o tubarão-baleia – desenvolveu uma extraordinária adaptação para ajudar a proteger seus olhos.
Este imenso tubarão possui “dentículos” serrilhados blindados que ajudam a proteger os olhos contra lesões. Ele também consegue retrair o globo ocular para a sua órbita em mais de 3 cm.
Os olhos do tubarão-baleia são relativamente pequenos (apenas 6 cm) em comparação com o tamanho do corpo, que pode atingir mais de 18 metros. Isso levou muitos pesquisadores a concluir que sua visão era comparativamente mais fraca.
Mas cientistas japoneses estudaram os olhos retráteis e blindados do tubarão-baleia com mais detalhes e defendem que eles são mais importantes do que acreditávamos anteriormente.
Pesquisas também indicaram que os olhos do tubarão-baleia conseguem detectar mergulhadores a até seis metros de distância e podem ter papel decisivo na visão a curta distância.
Olho de gato
Os olhos dos tubarões também possuem uma característica que pode ser familiar para os tutores de gatos: uma camada reflexiva de substâncias cristalinas no fundo do olho, chamada tapetum lucidum.
Esta camada age como um espelho, refletindo a luz que seria perdida no interior do olho e ajudando a melhorar a visão com baixos níveis de luminosidade.
Os olhos de algumas espécies de tubarões, quando expostos a uma fonte de luz brilhante no escuro, formam um disparo de luz similar a um flash de câmera fotográfica, muito parecido com o que fazem os gatos. Algumas espécies de tubarões dos recifes, por exemplo, caçam ao anoitecer ou durante a noite e esta adaptação pode auxiliá-los.
A visão dos tubarões e os trajes de mergulho
Embora os tubarões se beneficiem com a intensificação de diversos outros sentidos, as pesquisas demonstram até agora que nem todos os tubarões têm o mesmo nível de visão. Os grandes tubarões-brancos, particularmente, parecem depender mais da visão do que outras espécies.
A fotógrafa subaquática e conservacionista pioneira dos tubarões Valerie Taylor fez experiências nos anos 1970, com um traje de banho que imitava os padrões listrados de certas serpentes marinhas.
Algumas espécies de tubarão evitam esses répteis peçonhentos, mas nem todas: o tubarão-tigre é um predador particularmente ávido das serpentes marinhas.
Em 2013, uma companhia chamada Shark Mitigation Systems ofereceu uma atualização dos trajes listrados de Taylor, afirmando que eles poderiam reduzir “significativamente” o risco de ataques.
A empresa ofereceu dois trajes – um deles com listras que imitavam os padrões das serpentes marinhas e outro que alternava azul e cinza, para ajudar o usuário a camuflar-se no ambiente. Mas nenhum deles era a solução ideal para todos os casos.
O traje cinza e azul não teria afastado o tubarão-branco, que procura silhuetas sobre a superfície e ataca de baixo. Já os trajes listrados não teriam assustado o tubarão-tigre.
Com isso, será que as pessoas que passam seu tempo sobre as ondas deveriam dispensar seu equipamento amarelo ou com outra cor brilhante, em favor de um tom um pouco mais discreto?
O Arquivo Internacional sobre Ataques de Tubarões (ISAF, na sigla em inglês) alerta que “o benefício de aumentar a possibilidade de ser resgatado supera em muito o risco de atrair um tubarão, que é mínimo”.
Mas a nota acrescenta: “alternativamente, os nadadores e mergulhadores provavelmente podem reduzir a possibilidade de interação com tubarões evitando trajes ou equipamento de mergulho em cores brilhantes e com alto contraste. Particularmente, nós preferimos usar nadadeiras, máscaras, tanques e roupas de mergulho de cor preta ou azul-marinho.”
Alguns surfistas profissionais decidiram abandonar as pranchas de cor amarela brilhante, substituindo-as por pranchas pretas e azuis, para tentar evitar atrair a atenção dos tubarões.
Nathan Hart afirma que, embora os tubarões não consigam distinguir entre uma cor brilhante e outra, reduzir o contraste com o oceano à sua volta pode ajudar em algumas situações. Mas ele explica que, para os tubarões que atacam de baixo, como o tubarão-branco, a silhueta de uma prancha de surfe sobre a superfície ainda se destaca perigosamente.
Já Gavin Naylor afirma que a cor dos trajes de banho pode não ser tão importante quanto objetos como relógios de pulso, que podem capturar a luz da mesma forma que as escamas dos peixes e ajudar a causar alguns dos ataques não provocados. O conselho da ISAF é esconder o relógio embaixo do punho do traje de mergulho.
Naylor chegou a ver lentes de câmeras subaquáticas inspirarem um ataque durante um mergulho de cientistas estudiosos de tubarões que participavam de uma convenção na África do Sul.
“Aquela mulher estava passando uma [câmera] GoPro para o seu parceiro, que se movimentou para pegá-la, quando o tubarão veio e mordeu o dedo dela! Porque a GoPro é um pequeno dispositivo brilhante”, explica ele.
A curiosidade dos tubarões em relação a cores brilhantes e contraste de padrões pode ser parte do seu instinto arraigado de caça, transmitido ao longo de milênios, segundo Naylor: “eles aprenderam a lidar com padrões e reagir a eles”.
Os tubarões também aprendem, por tentativa e erro, o que representa ou não sua próxima refeição – e esse aprendizado leva tempo, segundo ele.
“Acho que muitos animais jovens são responsáveis pelas mordidas, pois eles não têm tanta experiência quanto os animais mais velhos”, explica Naylor. “Acho que [os adultos são] mais perspicazes e espreitam suas possíveis presas.”
“Se você tiver um predador que não consegue lidar com situações dependentes de contextos, ele irá morrer. Por isso, eles realmente precisam observar, conseguir aprender e adotar estratégias que garantam sua alimentação”, conclui Gavin Naylor.