Mães solo: as mudanças que estão permitindo a mais mulheres criarem filhos sem pais por perto na China
- Author, Stephen McDonell
- Role, Correspondente da BBC na China
Até o ano passado, não era possível, na prática, para a maioria das mulheres solteiras se tornar mãe na China.
Mas uma mudança social está em andamento e provocando efeitos nas políticas públicas do país.
Em seu apartamento nos arredores de Xangai, Zhang Meili nina seu bebê.
Enquanto ele gargalha feliz, ela lhe diz que vai sair de casa em breve para ganhar dinheiro.
Depois que sua mãe vai trabalhar, Heng Heng, de 2 meses, será cuidado por sua avó – que recentemente se mudou para a maior cidade da China para ajudar a criar o neto.
O fato de não haver um pai na vida de Heng Heng seria desaprovado por muitos na China, especialmente pelos mais conservadores.
A crença de que uma criança não deve ser trazida a este mundo sem uma mãe e um pai ainda é amplamente difundida por aqui.
No caso de Zhang Meili, ela diz que teve sorte de ter se mudado para Xangai para administrar um negócio, porque ser mãe solteira nesta megacidade é muito mais aceito.
“Sou grata pela tolerância de Xangai”, diz ela. “Sou da zona rural de Henan, uma área que teria muita discriminação contra mim como mãe solteira.”
Abandonada pelo namorado
Ela se tornou mãe solteira depois que a família de seu namorado a rejeitou, alegando que sua posição na sociedade era muito modesta.
Ele terminou com ela – embora ela estivesse grávida de seu filho.
Pergunto à mãe dela, Zhao, como ela se sentiu quando soube que sua filha, de 25 anos, ficaria com o bebê.
“Meus sentimentos? Fiquei com o coração partido”, diz ela. “É muito difícil criar um filho sozinha. E, em nossa cidade natal, haveria críticas dos vizinhos.”
Mas seus sentimentos mudaram agora que ela é avó.
“Agora que o vejo, estou muito feliz”, diz ela com um enorme sorriso no rosto.
Zhang Meili tem opções que muitas mulheres solteiras não têm porque administra seu próprio pequeno negócio.
Isso lhe dá mais independência e controle sobre sua vida.
Embora a pequena loja de massagens que ela administra ainda esteja sofrendo para se manter de pé pós-Covid, ela não precisa negociar licenças com um empregador ou batalhar pela aceitação social em um local de trabalho porque deu à luz um filho que será criado sem o pai.
Claro, não tem sido fácil para Zhang Meili manter seu negócio vivo durante um período tão difícil economicamente, com os desafios adicionais de dar à luz, além de saber que – embora as atitudes estejam mudando – ainda há quem a despreze.
Ela diz que nenhum de seus amigos apoiou sua decisão de ficar com o filho. Eles pensaram que isso prejudicaria suas chances de encontrar um marido e que não era certo que a criança crescesse sem um pai.
“Quando eu estava grávida, fui ao hospital sozinha”, diz ela. “Na época, minha loja lutava para sobreviver e, quando olhava em volta, invejava as mulheres que iam lá com seus maridos.”
“Mas eu escolhi me tornar uma mãe solteira. Eu escolhi tê-lo e precisava superar isso.”
No entanto, não eram apenas as crenças das pessoas que tornavam muito difícil ser mãe solteira.
Antes de 2016, o governo efetivamente proibia que isso acontecesse, impedindo as autoridades de emitir certidões de nascimento sem ver a prova de casamento do pai e da mãe.
Outro problema era a exigência de que os detalhes de identificação de ambos os pais fossem listados para que uma criança obtivesse um hukou – o documento de identidade que todos os cidadãos chineses precisam, por exemplo, para se matricular na escola.
Quando vim para a China pela primeira vez, há duas décadas, lembro-me de mulheres solteiras me dizendo que não teriam escolha a não ser fazer um aborto se engravidasse acidentalmente porque uma criança não poderia sobreviver neste país sem toda a documentação necessária.
Mesmo depois que essas regras mudaram, permaneceu praticamente impossível para a maioria das mulheres solteiras considerar ter um filho até o ano passado, porque não podiam ter acesso ao seguro de saúde necessário para pagar o hospital ou à licença-maternidade remunerada.
Essas duas coisas agora supostamente mudaram, mas, na prática, o empregador deve solicitar em nome de seu funcionário para que os benefícios entrem em vigor – e algumas empresas ainda se recusam a fazê-lo.
Uma advogada que trabalha com casos nessa área contou que tinha uma cliente cujo chefe em uma grande franquia não queria lhe conceder o acesso à licença-maternidade remunerada. Só depois que ela processou a empresa é que eles concordaram em solicitar o benefício.
“Realmente depende da abertura da empresa e da conscientização dos empregadores sobre os direitos de seus funcionários”, disse a advogada, falando sob condição de anonimato. “No entanto, as políticas locais são realmente vagas e, às vezes, as empresas operam em uma zona cinzenta.”
Alguns patrões não entendem que os regulamentos mudaram, acrescentou o advogado.
Outros não estão mantendo seus conhecimentos atualizados porque simplesmente não querem ou porque consideram a criação de filhos por mães solteiras errada.
Intolerância
A professora Yang Juhua, da Universidade Minzu de Pequim, diz que, de acordo com a lei chinesa, todas as mães e seus filhos devem ter os mesmos direitos, independentemente do estado civil.
“Mas, em termos de implementação, não é tranquilo”, diz ela. “Por quê? Porque muitas pessoas ainda não conseguem entender e não são tolerantes com as mães solteiras.”
Especialista em demografia, Yang diz que as leis foram estabelecidas sem pensar nas mães solteiras.
“Os regulamentos da China são projetados para casais casados”, acrescenta ela. “O casamento é a pré-condição. Pais solteiros ainda são uma coisa nova aqui e representam uma maneira de pensar muito diferente de nossas normas éticas tradicionais”.
Um fator que impulsiona a mudança para os formuladores de políticas é o envelhecimento da população do país.
Depois de décadas de política do filho único, o governo agora gostaria que os casais jovens tivessem mais bebês, mas muitos não estão atendendo ao chamado por motivos financeiros. Eles acham que não têm fundos suficientes para criar vários filhos.
Nessas circunstâncias, as autoridades passaram a entender que, se as mulheres solteiras quiserem ter filhos, elas devem ser encorajadas.
Visitando um centro de exposições na cidade de Hangzhou, no sudeste, encontramos Peng Qingqing, entre brinquedos, fraldas e montanhas de leite em pó em uma feira comercial focada em produtos para bebês.
Peng Qingqing, que administra uma plataforma de vendas online, está grávida e solteira e, como Zhang Meili, diz que ser empresária tornou tudo mais fácil.
“Minha mãe sempre me disse que as mulheres deveriam ser mais independentes, confiantes e fortes”, ela nos conta. “Não quero me casar com outra família só por causa de um filho”.
A jovem de 30 anos diz que não era a hora certa para o casamento quando acidentalmente engravidou de seu namorado muito mais novo, mas que queria ficar com o bebê.
Ela diz que a mudança de status das mulheres na China, especialmente em termos de sua independência financeira, significa que agora podem ser feitas escolhas que não eram possíveis apenas alguns anos atrás.
“Tradicionalmente, as mulheres dependiam dos homens e da família para se sustentar. À medida que ganhamos mais, homens e mulheres se tornam mais iguais. As mulheres podem até contratar pessoas para ajudá-las”, diz ela.
Mas a grande maioria das mulheres solteiras na China tem renda muito mais baixa e permanece em dívida com o sistema.
A advogada que atua em casos relacionados aos direitos da mulher no trabalho explica que o pagamento durante a licença-maternidade está vinculado ao salário.
“Para mães solteiras de base, seus rendimentos são baixos”, diz ela. “Sem licença maternidade adequada e remunerada, elas não poderiam sobreviver. É uma questão muito prática.
“Atualmente, o governo está incentivando as famílias a terem mais bebês. Algumas províncias até oferecem recompensas financeiras. Mas, para mães solteiras, esse apoio não está disponível. É altamente discriminatório.”
As mulheres que dão à luz fora do casamento também podem enfrentar outras formas de discriminação, diz ela.
No serviço público, essas circunstâncias podem impedir a obtenção de uma autorização política do Partido Comunista (certificando que alguém é um cidadão decente e leal). A ausência de tal aprovação oficial pode significar perder promoções ou até mesmo não conseguir um emprego público em primeiro lugar.
Mas a professora Yang diz que acha que, à medida que a sociedade se torna mais tolerante com as mães solteiras, essa discriminação desaparecerá gradualmente.
Se o governo, no futuro, exigir que as autoridades locais apliquem com mais rigor os regulamentos que permitem que mulheres solteiras se tornem mães, isso também pode ajudar, diz ela.
Quanto a Zhang Meili, ela diz que essa deve ser uma escolha das próprias mulheres.
Pergunto-lhe que conselho daria a outras pessoas que se encontrem na mesma situação que ela e ela responde: “Depende da situação pessoal mas, se gostam de crianças, devem tê-las.”
“Não perca um filho por causa de vozes de outras pessoas ou por causa de perguntas vindas de fora.”